O boxe peso-pesado nos anos 60 e 70 era dominado por negros. Atletas, treinadores, empresários. Era algo bastante importante, aliás, para os movimentos negros nos Estados Unidos. Talvez seja, então, um pouco surpreendente que um jornalista judeu – que sequer costumava escrever muito a respeito de esportes – pudesse tecer um relato contundente sobre uma das lutas mais importantes de todos o tempos.
Em A luta, porém, Norman Mailer prova essa assumpção errônea. É certo que ele parecia interessar-se muito pela questão negra e já escrevera sobre boxe – inclusive, tinha certa amizade com Ali. Mas independente de qualquer coisa, o relato é impressionante.
Uma breve explicação: Muhammad Ali era o campeão mundial dos pesos-pesados, até ter seu título extirpado por não ter acedido à convocação do exército americano para lutar no Vietnã, dizendo que nenhum vietcongue jamais lhe chamara de nigger. Em 1974 o empresário Don King ofereceu-lhe uma chance de recuperar o título, que agora pertencia a George Foreman, em uma luta de proporções monumentais que aconteceria em Kinshasa, capital do Zaire.
Mailer fora enviado para cobrir essa luta. Ele o faz desde os treinos dos dois lutadores, e termina pouco após o desfecho. A luta é descrita de maneira magnífica, sendo impossível não empolgar-se com a ferocidade de Foreman ou com as estratégias perfeitas de Ali. Captura, além, disso, todo o clima reinante: o furor da mídia, a confusão política que o Zaire evocava, a rivalidade crescente entre os dois lutadores e as flutuações do ânimo das equipes de cada lutador.
O grande ponto, porém, não é tanto a luta entre as pessoas de Ali e Foreman, mas entre o que cada um deles representava. Ambos eram negros, é verdade. Mas enquanto Ali tinha sua postura bem definida, subversiva e quiçá até mesmo libertária, Foreman abraçava e beijava a bandeira americana, defendendo o chamado sonho americano com toda sua força (que, aliás, não era pouca).
A forma escolhida para a narrativa é tão singular quanto a luta: Mailer narra em terceira pessoa, colocando-se como personagem. Nessa posição não está imune às ironias e dúvidas da voz que narra – da qual parece ora mais próximo, ora mais distante. Deixa, ainda, bem evidente sua parcialidade: duvida da vitória de Ali, apesar de deseja-la. Chega, na verdade, a surpreender-se por perceber que acha Foreman uma pessoa agradável – como se devesse, tanto quanto os membros da equipe de Ali, considera-lo um inimigo.
A tradução Cláudio Weber Abramo é bastante boa, apesar das dificuldades que ele mesmo aponta no posfácio – a importância de certas características da língua inglesa que são impossíveis de se transpor ao português. Acredito, porém, que as escolhas que Abramo utilizou para esse problema foram acertadas. O único deslize grave me parece ser a utilização da palavra ‘histamina’ (que é um sinalizador celular) onde – suponho, já que não li a versão em inglês – o original dizia ‘stamina’ (em português ‘estamina’, algo como resistência à fadiga). Isso, no entanto, não parece tanto erro de tradução quanto um problema de revisão. Entretanto, isso não lhe subtrai os méritos, nem torna a experiência da leitura de A luta menos poderosa.
A luta
de Norman Mailer,
tradução de Cláudio Weber Abramo.
232 páginas.
R$ 24,00.
Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras