Por mais que alguns possam torcer o nariz, eu concordo com Horace Engdahl, membro da Academia Sueca de literatura e uns dos responsáveis por decidir quem há de receber o Prêmio Nobel de Literatura: apesar da grande influência estado-unidense em praticamente todas as áreas da cultura humana, na literatura eles encontram-se em uma posição insular, pouco privilegiada em relação à Europa (e América Latina, Ásia e até África – quanto a Oceania não sei dizer), e participam pouco do ‘grande diálogo literário contemporâneo’. Isso, é claro, não impede que surjam alguns grandes escritores por lá.

É o caso de James Ellroy, nascido em 1948 na cidade de Los Angeles, e dono de um passado complexo: ainda criança, seus pais se separaram e ele passou a viver com a mãe, que foi assassinada quando ele tinha dez anos de idade. Seguiu-se a isso uma juventude de drogas, furtos e prisões. Depois disso, parece um conto de fadas: reabilitado, trabalhando como caddy partiu para a literatura, e não apenas revolucionou a literatura policialesca e transformou-se em um dos escritores mais influentes de seu país, mas teve diversos livros adaptados para o cinema, como Dália Negra – só para citar o mais recente. Apesar de tudo isso, eu não o conhecia.

Tirando McCarthy, depois de Hemingway a literatura americana me soa como algo um tanto inócuo. Até cheguei a ler Thomas Pynchon – é interessante, mas não vi tudo aquilo que queriam que eu visse nele. O maior problema de Ellroy, aliás, foi me lembrar demais de Pynchon. Mais sisudo, é verdade, mas não consegui deixar de comparar os dois.

Sangue Errante, terceira parte da trilogia do submundo americano, começada com Tabloide Americano e Seis mil em espécie, é um livro monstruoso – são quase 1000 páginas, três protagonistas e uma infinidade de tramas convergentes. O livro se passa entre 1968 e 1972, pouco depois dos assassinatos de Martin Luther King, John Kennedy e Robert Kennedy. Assassinatos estes que se misturam na trama, com eventuais pistas de que, de alguma forma, dois dos protagonistas – o agente especial do FBI Dwight C. Holly e o ex-policial, agente do FBI e lacaio da Máfia, Wayne Tedrow Jr. – estão relacionados a eles. O outro componente de tríade é mais ingênuo: Donald Crutchfield, referido ao longo do livro como ‘Crutch’, ‘Merdinha’ e ‘Pariguayo’ é um motorista e pretenso detetive particular que, entre um serviço de adultério e outro, espia mulheres pelas janelas.

Os três, seja por capricho do moribundo diretor homossexual enrustido do FBI, John Edgar Hoover, ou ainda do poderoso homem de negócios com ligações mafiosas Howard Hughes, acabam se vendo ligados e envolvidos em uma trama para desacreditar o movimento militante negro e na construção de cassinos na República Dominicana – para tentar reaver os lucros que a Máfia americana perdeu com a revolução castrista em Cuba.

Mas esses são os objetivos finais. No meio do caminho existe um parricídio quase-edipiano, complexos de culpa e tentativas de redenção por parte de Wayne, as duas amantes esquerdistas de Dwight, e os grupos de extrema direita racistas e assassinos de comunistas aos quais Crutch acaba se ligando.

Costura-se isso tudo com um assalto misterioso ocorrido em 1964, que envolve esmeraldas envolvidas por uma aura de misticismo vodu-comunista caribenho, e dois policiais – um branco racista e um negro homossexual – obcecados por esse crime.

Conteúdo sem forma, porém, não é nada, e Ellroy sabe disso: a cereja em cima disso tudo é seu famoso estilo telegráfico, que infelizmente perde um pouco da força em português. Frases curtas e pontos finais no lugar de vírgulas e de conectores, temperados com uma avalanche de expressões chulas e termos de cunho pejorativo.

Ellroy não conseguiu me fazer cair de amores pela prosa norte-americana. Mas Sangue Errante é um bom livro, complexo e cativante. Violência e reflexão dividem suas páginas em igual medida, com um estilo peculiar. Lembra Pynchon, mas soa menos pretensioso e mais empolgante.

PS: Antes que eu me esqueça, apesar de ser parte da trilogia, o livro não precisa dos outros dois – funciona de maneira independente. Eu, aliás, não li os outros, e quiçá tenha perdido alguns detalhes, mas não acho que minha leitura foi prejudicada de maneira imporante.

Sangue Errante

de James Ellroy, tradução de Ivanir Alves Calado

960 páginas

R$ 77,90

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