Stanisław Ignacy Witkiewicz, mais conhecido pelo pseudônimo Witkacy, foi um dos maiores escritores poloneses do início do século XX. Foi, ainda, pintor, desenhista, teórico da arte e filósofo.Vanguardista de proposições radicais – como suas idéias a respeito da pura forma – destacou-se por sua extensa obra dramática, sendo que é considerado um dos nomes mais influentes do teatro europeu do último século.

Apesar disso tudo sua obra está estranhamente ausente do acervo dos países de língua portuguesa. Um ou outro ensaio perdido em alguma coletânea (todas publicadas em Portugal, até onde eu saiba) e uma de suas peças, que é objeto dessa resenha: A Mãe ou, no original, Matka. Nem mesmo montagens Witkacy recebeu em língua portuguesa, já que a única vez que foi encenado no Brasil foi em francês e, em Portugal, a ditadura impediu que a peça (nessa versão publicada, traduzida da língua de Proust) fosse exibida.

O teor iconoclástico da obra é perfeitamente capaz de explicar o problema que os governos militarizados e totalitários de ambos os países tinham com ela. Trata-se da história de uma família, ou dos restos de uma: Nina Cobraska e seu filho, Leão Cobraski. Ela tem 54 anos e está quase cega, de tanto tricotar – modo como sustenta a si mesma e ao filho, teórico que tenciona salvar a arte da sua decadência que seria inevitável, não fosse esse vadio genial. Do marido, apenas nos chega a infâmia: meteu-se em um negócio de criação de capivaras na América do Sul e, criminoso, acabou sendo enforcado no Brasil, mais especificamente no Paraná.

Leão surge com uma noiva, uma mulher de modos vulgares e que ele mal conhece, Sofia. Ela aceita noivar com ele antes mesmo de saber sobre seu ideário, segundo o qual uma melhora nas condições sociais do mundo é inevitável mas, com essa, o achatamento do indivíduo e o desaparecimento da arte. O único modo de se evitar que a arte morra é através do intrincado – e nunca claramente explanado – plano de Leão Cobraski. A exposição detalhada disso é suficiente para fazer com que Sofia se apaixone perdidamente.

Finda o primeiro ato, e, no segundo, tudo está radicalmente diferente. Leão e Sofia trabalham e o ar de pobreza e decadência parecem ser coisa do passado. Não entrarei em maiores detalhes, para evitar spoilers, mas o segundo ato e o terceiro ato – na forma de epílogo – demonstram a validade da definição que o próprio Witkacy deu à obra, ‘uma peça repugnante em dois atos e um epílogo’.

A peça é relativamente curta mas é suficiente para que se possa ter uma idéia da obra de Witkacy, até porque muitas das idéias de Leão derivam das idéias do próprio autor, assim como os virulentos ataques à Ibsen, Strindberg e toda a tradição teatral de então. Também é interessante notar o tom apocalíptico da obra, escrita em uma época em que a Polônia era toda euforia – depois de séculos não existindo, com seu território repartido entre Império Russo, Império Austro-Húngaro e Prússia, o país recuperou a independência.

Esse tom, aliás, está presente em toda a obra de Witkacy, figura seminal na história do drama, da literature e da arte do século que deixamos para trás. Não à toa, quando viu que suas previsões poderiam realizar-se (quando a Polônia foi novamente repartida, entre nazistas e soviéticos, em 1939), Witkacy cometeu suicídio.