A literatura norte-americana da década de 30 teve como uma de suas características o que um crítico da época chamou de “culto ao simples”. Escritores como Erskine Caldwell, John Steinbeck, Upton Sinclair e Sherwood Anderson (considerado o pioneiro do assim chamado “neorrealismo dos anos 30”) se voltaram com avidez para as condições de vida de grupos marginalizados de suas respectivas sociedades, em âmbito local, e da sociedade norte-americana numa visão mais ampla.

Arrolar o nome de Ernest Hemingway junto aos dos escritores citados acima é motivo suficiente para gerar controvérsias com potencial ácido bastante grande, mas não se pode negar o fato de a simpatia (quiçá a reverência) em relação à simplicidade, sob suas variadas formas, é um dos traços mais marcantes de O velho e o mar.

O romance em questão resulta, entre outras experiências, das estadas de Hemingway em Cuba, onde manteve contatos diversos com a população local. Tanto é que o velho Santiago, o personagem central do romance de 1952, é cubano, e a história toda se passa nos arredores marítimos de Havana.

O velho e o mar tem um valor peculiar na produção literária de Hemingway, não somente em relação a seu sucesso perante o público, mas inclusive pela aclamação da crítica, junção essa que lhe valeu o lugar no cânone literário universal. Quando da atribuição do Nobel ao autor, em 1954, a Academia Sueca fez questão de ressaltar o poder do enxuto romance, dizendo que Hemingway ganhara a láurea “por sua maestria na arte da narrativa, mais recentemente demonstrada em O velho e o mar, e pela influência que tem exercido no estilo contemporâneo.”

É nesse romance que conhecemos Santiago, o velho pescador cuja simplicidade da vida, tanto nos hábitos como nos aspectos materiais, se contrapõem ao complexo conhecimento que possui acerca do ofício da pescaria, da lida marítima, e a respeito do comportamento do mar e dos seus habitantes. A única companhia de Santiago, ainda que aparecendo pouco no livro, é o jovem Manolín, que admira profundamente o velho pescador e que almeja alcançar-lhe algum dia na impressionante arte que ele desempenha.

Após um jejum de peixes fisgados, Santiago parte para tentar pegar um que lhe compensa a longa escassez, e é aí que ele apanha um espadarte substancialmente maior que todos os outros que já tinha tido a oportunidade de pegar. Tão logo o robusto peixe tem o anzol preso em sua boca, começa a batalha épica, que durará ainda dias e que forma o corpo da trama.

O brilhantismo da obra não está em nenhuma trama intrincada, com reviravoltas e situações-limite a todo o momento, mas sim na sinceridade e na admiração contidas na prosa de Hemingway, que faz do velho de corpo enrugado pela idade um verdadeiro guerreiro, duelando tanto contra o peixe quanto contra si próprio em suas limitações.

A solitária batalha se estende por todo o livro, e os poucos elementos de que dispõem o romancista lhe são suficientes para fazer aparecer uma história poderosa. O romance chama a atenção pelo caráter reverente em relação ao velho, um artífice na arte da pesca, que domina seu ofício em toda a sua complexidade. Os conhecimentos práticos que ele vai demonstrando ao longo do livro fazem com que da condição de desvantagem outorgada pela idade surja não um velho decrépito (embora acabrunhado pelas limitações) mas um singelo herói cuja experiência acumulada e viva lhe permitem sobrepujar a juventude do peixe.

Longe de torná-lo superficial, a simplicidade de que se vale Hemingway é o que estrutura o livro, ainda mais se posto diante do fato de que barcos pesqueiros motorizados e repletos de traquitanas tecnológicas já existiam. A admiração de Hemingway pela beleza do ofício da pesca é contagiante, cada movimento de Santiago é acompanhado pelo leitor com avidez, esperando alguma surpresa, que parece iminente.

Há muito mais humanidade e vida no trabalho de Santiago do que nos modernos barcos pesqueiros, embora Hemingway não se refira a eles no livro. Não à toa, porém, que o pescador é um velho e não um jovem: sua condição diante da morte acaba por revelar significados a respeito do “avanço do progresso”, que vinha gradativamente tornando esse trabalho algo cada vez mais raro.

Talvez esse nem fosse o mote principal de Hemingway, mas não se pode negar que há algo de épico em torno de Santiago e seu trabalho, algo profundamente humano e emblemático a respeito do homem e sua potencialidade, a respeito de sua inquietante quase-condição de Sísifo, a qual se opõe com todas as forças.