Carlos Drummond de Andrade é a figura de 2012, mesmo que esteja a sete palmos do chão desde 1987. O poeta, contista e cronista será lembrado durante todo o ano, com novas publicações, campanhas pela internet como a #espalhedrummond, e é o homenageado da Flip também. Muito conhecido por seus poemas, Drummond tem diversas novelas e coletâneas de contos, alguns deles bem conhecidos como “O sorvete”, que faz parte de Contos de Aprendiz, lançado pela Companhia das Letras com diversos outros títulos do autor, como Claro Enigma, A rosa do povo e Fala, amendoeira; uma das primeiras incursões na prosa realizado pelo autor quando já estava com seus 50 anos de idade.
Nascido em Minas Gerais e farmacêutico de faculdade – apesar de formado, nunca exerceu tal profissão – Carlos Drummond de Andrade é conhecido, em grande parte, por suas crônicas e poesias. Estreou na profissão escritor com o livro Algumas Poesias, se dedicando a diversas vertentes das letras, incluindo aí a literatura infantil e poesias de cunho político e erótico. Morreu em 1987, pouco depois que sua única filha, Maria Julieta, veio a falecer.
Não espere muita poesia dentro desse exemplar, muito do que se vê é uma linguagem fina e, aparentemente, escolhida a dedo para deixar o leitor fisgado do início ao fim. Antes de mais nada, muitos são carregados de memórias de sua infância e da vida no interior no começo do século XX. É com muita doçura que Drummond carrega memórias e descrições do cotidiano, como se nada pudesse afetar provocações pueris, por exemplo, no conto que abre esse volume, intitulado “A salvação das almas”, em que um irmão mais velho tenta se redimir com o caçula após anos de opressão e acaba desembocando em uma pequena ironia. Aliás, em alguns momentos o autor deixará claro que está sendo sarcástico como em outros tentará passar o pé no leitor.
Em “O sorvete”, Drummond chega a conversar com o leitor para tentar desviar sua atenção dos pormenores da narrativa atrasando assim seu desfecho. Dois meninos que pouco tem a usufruir num domingo, resolvem quebrar as regras e o protocolo experimentando o primeiro sorvete de suas vidas. Mais que uma narração sobre um episódio cotidiano, esse conto trata das relações entre crianças, quem manda, quem obedece e o melhor jeito de persuadir um ao outro quando ambos desejam a mesma coisa. Ainda no universo infantil temos “A doida”, que relembra antigas histórias de homem do saco ou pessoas reclusas de um bairro onde todos se conhecem. As crianças continuam como protagonistas e tentam provar sua coragem ao desbravar o jardim da doida da cidade, e uma delas descobrirá que a vida pode ser mais triste do que parece e que viver sozinho pode ser um grande castigo.
Mesmo que tudo pareça um enorme exemplar de rememoração, Contos de Aprendiz carrega entre seus 15 títulos de contos um dos mais famosos de Drummond, “O gerente”. Um conto sádico sobre coincidências e ironias do destino, no melhor molde de “podia ser pior”, e acaba ficando mesmo. Samuel é acusado de arrancar dedos de mulheres quando pequenos incidentes passam a ocorrer frequentemente, obrigando o gerente de banco bem sucedido a mudar-se para São Paulo e tentar deixar para trás todos os males que causou. De mais ironias ainda podemos conhecer o melhor escritor de todos os tempos em “Um escritor nasce e morre”, em que vemos a trajetória de um jovem ao descobrir, através de sua professora, que é um grande autor. Narrado em primeira pessoa, passamos de uma viagem egocêntrica a um abismo de dúvidas existenciais em relação à escrita e, como é de praxe nessa coletânea como um todo, a ironia final brinda o leitor com um Drummond que não escrevia histórias pelos seus enredos truncados ou seus personagens, mas pelo incidente – o acaso que torna o cotidiano fascinante.
Contos de Aprendiz ainda conta com um posfácio incrível dissecando a obra pelas mãos de Ana Paula Pacheco. Para os fãs e entusiastas – e aqueles que ainda não o são – de Carlos Drummond de Andrade, há diversas recomendações de leituras de análise crítica da obra do escritor, assim como uma cronologia completa no final do livro. Não obstante, diversas fotos abrem esse volume, incluindo as da infância do escritor e imagens com a esposa Dolores e a filha Maria Julieta.
Emocionante, trágico, melancólico e irônico, Contos de Aprendiz é uma dose diferente do autor que ficou conhecido por suas poesias. Narrativas breves e carregadas de sentimentos à flor da pele, tente não se emocionar com o singelo “Conversa de velho com criança” ou se deixar levar pela fantasia em “Nossa amiga”. Se era preciso mais alguma razão para ir atrás de Carlos Drummond de Andrade além da poesia, esse relançamento veio bem a calhar. Mas cuidado! Altas doses de solidão e magia o esperam.
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