Exatamente um ano atrás eu estava em Auschwitz.

Obviamente isso não quer dizer muita coisa: aposto que naquele mesmo dia – véspera do Natal de 2010 – milhares de pessoas ao redor do mundo estavam em museus. Que esse, em especial, tenha uma carga mais terrível que os outros, é, ou não, mero detalhe.O fato é que eu estava lá. Combinara com alguns amigos de viajar à Europa e, como nossas férias coincidiam apenas parcialmente, eu acabei indo quase um mês antes deles – e por uma série de motivos, decidi visitar a Polônia. Desde muito tempo eu sabia que precisava visitar o antigo campo de concentração. Coincidentemente eu acabei decidindo que aquele seria o dia.

Porém eu não sabia – e fui descuidado o suficiente para não verificar – que na véspera a maioria das coisas, inclusive ônibus e trens, deixavam de funcionar após as três horas da tarde. Fiz um tour guiado que terminou às três horas e dez.

E, sim, eu acabei ficando lá por horas – que me pareceram intermináveis. Nevava, o que é normal por lá nessa época do ano, mas o inverno passado foi especialmente mais rigoroso, a temperatura era de mais ou menos 10 graus negativos. Seria uma ótima história para contar.

Seria. Não sei se tenho esse direito: o quão levianamente se pode invocar esse nome, Auschwitz? Não seria como roubar o letreiro de sua entrada (que, aliás, foi roubado e devolvido em 2010)?

A maioria das pessoas não deve pensar muito nisso. As vezes, eu tenho um pouco de medo de parecer obcecado com essas coisas – esse terror tão grande, tão inimaginável e que aconteceu tão antes de eu nascer. Mas é só algo que moldou, quiçá, toda a história posterior.

E a geração atual é a última que irá conhecer os sobreviventes – sejam os perpetradores, as vítimas ou mesmo os expectadores que descobriram, chocados ou não, o que passava lá. Aceitando-se a hipótese de que alguém, como protagonista de Liquidação, de Imre Kertész, tenha nascido lá, os remanescentes mais jovens tem 66 anos – e a expectativa de vida média, no mundo, é mais ou menos essa.

O que vai restar disso tudo? Um museu, apenas, onde jovens em férias terão aventuras idiotas? Uma justificativa, cada dia menos bem articulada, para que Israel faça o que faz com os Palestinos? Algo que se menciona de modo impensado, para concordar ou discordar de preconceitos? Uma comparação para se reprovar adversários do campo político?

Se formos capazes de escutar as vozes, as que contam essas coisas terríveis – Imre Kertész, Tadeusz Borowski, Elie Wiesel, Nelly Sachs e tantos outros –e entendê-las talvez ainda faça algum sentido celebrar o Hannukah, o Natal e o que quer que seja. Caso contrário, apenas o Yom Kippur nos resta.