I

Certa vez listei meus problemas com a língua francesa. Uma relação um tanto neurótica com uma língua influente, confesso. E um tanto exagerada: não posso, afinal, deixar de reconhecer que Rimbaud e Mallarmé foram excelentes poetas. E que existem outras tantas razões para se apreciar esse idioma – e muitas fogem aos clichês.

Isso, porém, não é uma retratação: pretendo falar sobre injustiça com algumas línguas.

II

No centro de Varsóvia, se não me falha a memória a menos de dez quadras do castelo localizado na parte velha da cidade, há uma livraria Empik. Mesmo que a memória me falhe, isso é bastante plausível: é uma das maiores redes de lojas do país.

De qualquer maneira, mesmo que seja mais longe, eu lembro perfeitamente dos três andares da loja. Um primeiro com um café e artigos de papelaria, um terceiro com cds, dvds e outros artigos do gênero. No andar do meio, livros. Grandes sessões para cada assunto – mais ou menos do tamanho da megastore da Saraiva em Curitiba: não se trata de uma livraria gigantesca, mas não é desprezível.

Uma infinidade de livros que me eram praticamente desconhecidos, muitos outros que eu conhecia. Autores poloneses dominavam o cenário, é claro. Uma parte para escritores alemães, uma para os franceses, uma para os russos, uma para os outros. Uma estante inteira com livros obedecendo um mesmo design: Paulo Coelho. Ao lado, uma para a série Crepúsculo.

III

A tradução de best-sellers não é lá grande mérito: pura e simplesmente é algo bastante vantajoso às editoras. Editoras são empresas, empresas visam o lucro. Eu conheço mais gente que compre livros de Stephanie Meyer do que gente que compre Guerra e Paz. O resto deduz-se.

Mas: os poloneses, assim como os tchecos, russos, alemães, eslovenos e inúmeras outras nacionalidades conhecem nossa literatura vendável. Nós não conhecemos a deles.

IV

Não defendo a infalibilidade da literatura. Sem pretender incorrer em polêmica com isso, mas livros ruins são livros ruins e pessoas não se tornam melhores por lerem.

Mas: se não conhecemos a literatura vendável e fácil de um outro idioma – de uma outra realidade – como pretenderemos conhecer as coisas difíceis? Podemos, tranquilamente, dizer que James Joyce, Edgar Allan Poe,  Foster Wallace e outros são bons porque conhecemos autores pouco competentes de língua inglesa. Podemos dizer que Proust é um dos ápices da literatura francesa, pois conhecemos muitos de seus abismos.

V 

Por isso, talvez, eu estude outras línguas. Para poder conhecer o que há de bom nelas, certamente. Mas, em primeiro lugar, para saber o que há de ruim. Pois, acreditem, existe tanta porcaria escrita em polonês, romeno ou sérvio quanto existe em português ou inglês. E, igualmente, existem coisas que valem a pena.