Todo mundo sabe de livros que foram adaptados para o cinema, mas acredito que seja mais estranho para a maioria um filme que virou livro. É exatamente esse o caso de Teorema (1968), romance de Pier Paolo Pasolini escrito a partir de seu roteiro para o filme homônimo (também de 1968), que também foi dirigido por ele. Antes de se tornar o famoso cineasta italiano, Pasolini já era escritor, especialmente de poesia, portanto não deve ser um fato alarmante ele ser autor de um romance, até porque ele já havia publicado outros antes de Teorema, como Ragazzi de vita (1955), ou, na tradução brasileira, Meninos da vida. Assim sendo, ele já era romancista, porém ainda não havia transformado uma obra cinematográfica sua em romance, daí a novidade de Teorema.

Certamente não é algo fácil partir de um outro texto, como um roteiro, e chegar a um novo, ainda mais se considerarmos que não há uma convenção em relação a isso. Pasolini fez isso e não se limitou somente a retirar todos os termos técnicos do texto, pois o expandiu de maneira considerável. Teorema se tornou um texto misto, que integra trechos nitidamente cinematográficos com passagens de caráter muito romanesco, intercalando essa prosa com poemas próprios. O que temos é uma espécie de compilação das habilidades de seu autor: há cinema, prosa, poesia.

Ao contrário do que possa se imaginar, tudo isso não quer dizer que temos uma obra mais “completa”, que pode até mesmo “explicar” o filme, considerado de difícil compreensão desde o seu lançamento. Com essa forma totalmente renovada, não temos somente uma transposição textual, uma mera “cópia” do filme para o romance, mas sim uma obra nova, que só tem uma semelhança básica em relação ao filme: o enredo fragmentado. Continuamos a ter o mesmo argumento: um estranho de beleza única (talvez um anjo?) surge como hóspede na casa de uma família burguesa de Milão e muda a trajetória de todos da casa durante sua estada. Daí em diante, cada uma das personagens segue caminhos distintos, tentando lidar com o fato de ter sido tocado (literalmente) por alguém quase divino. Como pode se imaginar, nem todos lidaram bem com isso.

Pasolini, como bom esquerdista que era, pensava em todos os aspectos sociais em sua obra literária e cinematográfica. É inevitável não perceber a profunda crítica política em Teorema (mais explicitamente no romance) e ela parece ser muito bem trabalhada por essa forma diferenciada do texto. Porém, não se pode pensar que se trata de um “romance social” e ponto. Esse romance vai além dessa definição e só nos faz confirmar como Pasolini, seja pelo cinema, seja pela literatura, é alguém de uma criatividade incrível, autor de obras que todos podem apreciar.