Recentemente, Os homens que não amavam as mulheres, o primeiro volume da trilogia Millenium, de Stieg Larsson, ganhou uma versão cinematográfica norte-americana com a direção do aclamado David Fincher (Clube da Luta, A Rede Social). O filme foi lançado há algumas semanas nos Estados Unidos, e estreia oficialmente amanhã nos cinemas brasileiros. Além dessa adaptação, o thriller já contava com uma versão sueca, do diretor Niels Arden Oplev.  Inclusive, em seu país de origem, a trilogia Millenium inteira já invadiu as telas dos cinemas com adaptações dos títulos A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de ar. Com isso, vale lembrar que o livro foi publicado pela primeira vez em 2005, e desde então teve grande repercussão ao redor do mundo, seja pela temática de violência contra a mulher ou pela estruturação do material. Agora, com essas recentes adaptações no cinema, ganhou ainda mais os olhos do grande público e crítica.

São muitas pessoas esperando pela estreia do filme e procurando se informar sobre a versão sueca, a norte-americana e a história escrita. Minha ideia com esse especial é apresentar alguns elementos do que considerei interessante em cada uma das obras que li e assisti, e levantar algumas questões sobre mercado e estrutura das narrativas. No post de hoje, o foco será voltado para o livro. No de amanhã, falarei um pouco sobre os filmes.

A história de Os homens que não amavam as mulheres se passa na Suécia, nos dias de hoje. É uma narrativa que mistura diversos temas, como ética do jornalismo, tecnologia, violência e um mistério a ser resolvido: o assassinato de Harriet Vanger, que aconteceu há 40 anos. Somos apresentados, de início, ao personagem Henrik Vanger, um senhor que se aposentou da função de presidente de uma rede de indústrias e que recebe uma misteriosa flor emoldurada todo ano em seu aniversário. Logo em seguida, o leitor toma conhecimento de Mikael Blowkvist, jornalista econômico editor da revista Millenium, que é sentenciado a três meses de prisão e uma grande multa por conta de uma matéria em que denunciava o empresário Hans Eric-Wennerström, aparentemente sem provas. Até ele cumprir sua pena, ele terá seis meses de liberdade, tempo em que precisará se retirar da revista para evitar manchar o nome da empresa.

Através do advogado Dirch Frode, Mikael recebe o convite para trabalhar para Henrik Vanger em um serviço que consiste em reunir material para escrever sua biografia. Isso, pelo menos, é o que ele deve aparentar: na verdade, Henrik e Mikael usam a biografia como pretexto para descobrir quem assassinou Harriet. Todas as suspeitas giram em torno da própria família Vanger. Para deixar a história ainda mais instigante, há a personagem Lisbeth Salander, a menina com a tatuagem de dragão e personalidade forte que dá o título a obra em inglês (The girl with the dragon tattoo). Lisbeth trabalha na Milton Security e é contratada no início para investigar Mikael a mando de Dirch Frode. No decorrer da narrativa, ela acaba por se unir a Mikael em busca de respostas sobre Harriet.

É assim, com muitos personagens e histórias fragmentadas que se cruzam a todo momento, que Os homens que não amavam as mulheres se estrutura. Durante a narrativa, o assassinato de Harriet, o passado de cada membro da família Vanger, a história de violência e abuso sexual de Lisbeth e o caso do processo de Mikael serão destrinchados, resultando em um denso volume de 528 páginas. É importante, na minha opinião, ressaltar que o livro possui poucos diálogos se comparados à narração, o que cria uma história com muito mais imagens mentais, personagens densos e impressões. Pontos muito positivos.

Apesar de várias histórias serem desenvolvidas ao mesmo tempo, o livro é bastante claro e o leitor não fica confuso. O único ponto de confusão que pode existir, acredito, se deve ao grande número de personagens investigados. Nesse sentido, usar a árvore genealógica que é apresentada no início do primeiro capítulo é uma ferramenta importante. O que importa é que os principais jogos de observação são compreensíveis.

Além da estruturação da obra, um outro ponto importante é a força dos personagens principais: Mikael é dotado de força de vontade e deixa o caso tomar conta de sua vida. Enquanto isso, talvez ainda mais impressionante seja a hacker Lisbeth. Trajando roupas em estilo punk, com aparência pálida, muito magra, inteligente e com problemas sociais, a personagem pode parecer, a primeira vista, estereotipada, mas aos poucos vai conquistando o leitor.

Por fim, Lisbeth também carrega com ela o desejo de vingança e ódio. Essa é, em alguns momentos de sua história, a base para a força que ela possui. Em uma trama onde investigadores e culpados vivem em um mesmo ambiente “familiar”, Os homens que não amavam as mulheres torna-se emocionante como obra literária. Em alguns momentos, principalmente do início para o meio do livro, a narrativa tende a ficar um pouco arrastada, mas não desinteressante. A partir daí, ela toma um rumo mais acelerado e emocionante.

Mas ainda há muito do assunto para ser falado, por exemplo, sobre como os diretores e roteiristas traduziram isso tudo para o cinema, ou a real necessidade de duas adaptações diferentes em tão pouco espaço de tempo. Esses são assuntos para a próxima parte do especial, que vai ao ar na sexta-feira, junto com a estreia do filme em sua versão hollywoodiana.

Os homens que não amavam as mulheres

Autor: Stieg Larsson

Tradução: Paulo Neves

Editora: Companhia das Letras

Páginas: R$ 528

Preço sugerido: R$ 31,50

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras