O repórter se chama Rodrigo Carvalho e foi escalado para cobrir o resgate dos mineiros que ficaram soterrados por 69 dias na mina de San José, no Chile. Foi sua primeira cobertura internacional e rendeu seu primeiro livro.
O fato sozinho é comovente, uma tragédia com “final feliz” que levou repórteres do mundo todo ao deserto do Atacama, em outubro de 2010. Que jornalista não gostaria de estar no lugar de Rodrigo?
Antes de responder é preciso ter em mente que, se for, espere passar por muitos perrengues, o que trouxe toques de humor à narração.
Sem ter onde dormir bem, tomar banho ou refeições que não se resumam a água e barrinhas de cereal, o que difere, neste caso, é o ângulo essencialmente jornalístico, sincero e humano escolhido para relatar a história de 33 homens que foram esquecidos embaixo da terra a vida toda.
Já explico, lugar de repórter é na rua! E essa frase sempre funciona. Principalmente em casos como esse. Não é fácil criar pautas diárias que fujam do lugar comum. A maioria dos jornalistas prefere se acomodar, explorando a vida difícil dos mineiros e o sofrimento das famílias deles que montaram acampamento perto da mina com livre acesso à imprensa (devidamente credenciada).
Rodrigo sempre acaba encontrando uma maneira de entrar ao vivo, pelo telefone, ou transmitir imagens realmente importantes, como um número que explica muito sobre o porquê eu escrevi acima final feliz entre aspas. “O Deserto do Atacama é uma das nove regiões mineiras do país, com nada menos que 884 jazidas, a maioria de pequeno porte. A média de 34 mortes por ano em acidentes é resultado de um número estarrecedor: a fiscalização das 884 minas do Atacama fica nas mãos de três inspetores. Repito: a fiscalização das 884 minas do Atacama fica nas mãos de três inspetores”. Tal informação explica também como acidentes de trabalho como esse, se é que se pode chamar assim, continuam acontecendo.
Desta vez os 33 mineiros sobreviveram, mas a história que Rodrigo conta faz parte de algo muito maior, e por mais incrível que tenha sido para o mundo e para o autor ver esses homens ressurgirem das profundezas de uma mina, resta pouco para comemorar quando mais adiante o repórter revela que depois dos “15 minutos de fama” muitos desses personagens estão desempregados e consideram voltar a trabalhar em mineração.
Algumas pessoas acham que ficamos ricos, mas até agora não recebemos nenhum peso”, conta um dos sobreviventes, Omar Reygadas para a Folha de S. Paulo, um ano após o acidente. Segundo a apuração do jornal ele sonha em voltar a trabalhar numa mina, atividade responsável por 20% do PIB chileno.
Nem por isso Rodrigo deixa de fazer o leitor se emocionar com uma pergunta (pouco criativa?) aos mineiros que acabavam de ganhar alta do hospital: “Você está bem?”. A resposta garante material para mais uma matéria. Essa é só uma das partes realmente humanas do livro. A parte essencialmente jornalística aparece mais uma vez pouco adiante, quando o repórter decide dar uma volta pelo hospital para, quem sabe, apurar algo mais. Ele encontra num corredor o ministro da Mineração Laurence Golborne, e registra com o celular parentes dos mineiros e funcionários do hospital gritando para Golborne: “Presidente! Presidente! Presidente!”. Com o sucesso do resgate, o ministro se tornou um fenômeno de popularidade no Chile. Eu não disse que para um repórter “estar na rua” sempre funciona?
Vivos embaixo da terra – o testemunho de um repórter no resgate histórico dos 33 mineiros no Chile
Autor: Rodrigo Carvalho
Editora: Globo
120 Páginas
Preço sugerido: R$19,90
Sobre a autora: Andréa Ascenção é jornalista e escritora. Foi colaboradora da revista Poeira Zine e do Portal Casa Cláudia, da Editora Abril. Em 2011 publicou a biografia da banda Ultraje a Rigor. Atualmente trabalha na agência de marketing direto PMK Involvement Marketing.