Como manda o ritual da lista de Melhores Leituras, post anual do Posfácio, a segunda parte é toda protagonizada por nossos colaboradores, redatores e colunistas. Seguindo a mesma regra feita para os convidados, não temos restrições com títulos do ano vigente, tampouco de gênero.

Espero que gostem das indicações e continuem acompanhando o Posfácio para conhecerem um pouco mais das leituras de 2014 através das resenhas de nossa equipe.

 

pipsFelippe Cordeiro (editor Posfácio):

Meses antes de 2013 ser uma realidade, eu estava flertando com a não ficção através dos ensaios de David Foster Wallace e, depois, de Tom Wolfe, encontrados pela internet. Pouco antes da Flip recebi a indicação de Pulphead, de John Jeremiah Sullivan, uma reunião de ensaios sobre a vida americana, Michael Jackson e rock cristão. O Sullivan narrador explora minúcias impossíveis de não se admirar, de um pequeno traço na personalidade ao sotaque típico de cada um. É hilário, é triste, é revoltante.

Por outro lado, a ficção nunca me desafiou tanto quanto em 2013. Primeiro por optar ler o clássico alemão Berlin Alexanderplatz (não finalizado devido às obrigações editoriais aqui do Posfácio), e em seguida a leitura mais difícil foi de A última névoa e A amortalha, de María Luisa Bombal – escritora chilena com uma história tão impressionante e cativante quanto seus trabalhos. A trama sucinta das duas micronovelas enganam qualquer um que se aproximar. Cheia de simbologias, A última névoa é alma feminina pura, quase impossível de ser compreendida por uma mente masculina (e precisei colar de alguns lugares para melhor compreensão) e ludibriadora ao extremo. Parece ser sobre mulheres frágeis, há todo um contexto de sacrifício. Vale uma leitura atenta ao livro e, conselho de amigo, ao posfácio (get it?) de Laura Janina Hosiasson.

 

Maria Shirts (equipe Posfácio):

Apesar de lançado em 2009, só fui ler Pornopopéia em 2013. Tinha receio de reconhecer o meu pai, melhor amigo do autor Reinaldo Moraes, na narrativa desajuizada e semibiográfica. Independente das minhas questões edipianas, comecei o livro em agosto do ano que passou e, logo nas primeiras páginas, fiquei irritada comigo mesma de não tê-lo feito antes. Foi, sem sombra de dúvida, a melhor leitura do ano passado. Pornopopéia é diferente de todo livro brasileiro que já li. É escrachado e porra louca, mas de um jeito inteligente e engraçado, com trocadilhos e referências hilárias (como o episódio da “surubrâmane”, suruba praticada nos porões de um centro hinduísta). Arrisco dizer que Reinaldo é dos melhores autores brasileiros vivos porque, diferente da maioria, não se leva tão a sério. Leia antes que saia o filme.

 

sonambuloLu Thomé (colunista Posfácio):

O sonâmbulo amador, de José Luiz Passos (Alfaguara)

Um livro bom também é aquele que briga com a gente. Como mãe: às vezes, só quer o nosso bem. Na primeira leitura de O sonâmbulo amador, por compromisso da Copa de Literatura, larguei o livro várias vezes. Foi difícil, penoso. As descrições de cenas me pareciam complicadas e pouco visíveis (tenho dificuldade com isso desde sempre). E o personagem não me provocava empatia ou identificação. Ainda o considero um livro bem racional, visual (mesmo tendo uma narrativa bem onírica) e planejado. Mas a verdade é que é um livro para ser relido. Em uma nova chance, descobri novas linhas e uma narrativa bem construída, que passou a dialogar comigo (condição essencial pra mim). Existe um ótimo trabalho de caracterização do personagem Jurandir (a cena do acidente dele quando criança se tornou quase concreta na minha leitura, tamanho impacto), e as peças vão sendo apresentadas até se unirem no final. Um livro bom também é aquele que te desafia. E este entra, definitivamente, nesta categoria.

 

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Tay (editora Posfácio):

Entre as minhas leituras do ano destaco três títulos: A geração da utopia (Pepetela), Ximerix (Zuca Sardan) e Luz em agosto (William Faulkner).

Sobre o livro do angolano Pepetela escrevi na época: “O que é mais marcante deste livro não é apenas o fato de ele ainda ser atual à história de Angola, mas por ser um retrato fiel de muitas histórias de revolução e guerras ideológicas que, aos poucos, vão se distanciando dos objetivos iniciais. Os mesmos personagens, o mesmo destino, poderiam ser de brasileiros, argentinos ou chilenos, portugueses e espanhóis na época de seus regimes militares.” Não é um livro moralista, pelo contrário, é um relato frio e distante de como a troca de papéis pode acontecer em qualquer revolução, onde quem empunhou uma arma para lutar por direitos pode um dia vir a ser um burocrata mesquinho.

Sempre gostei muito de poesia. Quando começamos o Posfácio resolvi levantar a bandeira e não houve maneira melhor do que ler Zuca Sardan e seus poemas “travessos” de Ximerix. E foi graças a esse lançamento da Cosac e à Flip de 2013 que conheci Babylon: Mystérios de Ishtar, livro que o autor ama e me disse que gostaria que fosse mais lido.

Por último, Luz em agosto. É Faulkner. Tem como não ser uma boa leitura no ano?

 

Tiago Guilherme (colaborador Posfácio):

Acho que vale a pena, ao invés de elevar algum título em particular como o melhor de 2013, indicar uma série esparsa de fatores como aquilo que de memorável ocorreu nas e paras minhas leituras. Sem dúvida, mais importante que alguns títulos em particular foram certas propostas de publicações distintas e corajosas.

Para citar alguns casos: a Cultura e Barbárie de Santa Catarina (só com a tradução de Locus Solus de Raymond Roussell já poderíamos ser todos felizes), a Arte & Letras e a Encrenca do Paraná, a Pitomba do Maranhão, a Chão de Feira e a Tinta da China, em parcerias transatlânticas Portugal-Brasil e um par de outras. Não por acaso várias delas vêm acompanhas por periódicos on-line com conteúdo sensacional: a Sopro e os Cadernos de Leitura, por exemplo.

Parece cada vez mais próximo o dia em que o foco de interesse não irá recair fatalmente nas grandes editoras, graças ao acúmulo de publicações e ao mercado de resenhas promovido pelos grandes jornais, mas nos verdadeiros projetos editoriais, formados, não por acaso, por pequenas cooperativas independentes.

 

andreAndré Araújo (colaborador Posfácio):

Literatura pós-moderninha norte-americana (escrita por um imigrante latino): A Naked Singularity, de Sergio de la Pava.

Maior família da literatura brasileira: 50 contos e três novelas, de Sérgio Sant’anna, e O paraíso é bem bacana (melhor leitura de todos os anos), de André Sant’anna.

Livro lançado em 2013 pelo qual me afeiçoei: Digam a Satã que o recado foi entendido, de Daniel Pellizzari.

LdV, ou Literatura de Verdade: HHhH, de Laurent Binet; Respiração artificial, de Ricardo Piglia, e Detetives selvagens, de Roberto Bolaño.

Ensaio e crítica e não ficção: Pulphead, de John Jeremiah Sullivan, e Rupturas instáveis, de Fabrício Silveira.

 

Lucas Deschain (colunista Posfácio):

Num ano em que conheci os ensaios de John Jeremiah Sullivan, a prosa catártica de Raduan Nassar e uma porrada de ótimos livros de literatura brasileira contemporânea, sinto que devo dizer – com a dor no coração que acompanha as escolhas e as consequentes renúncias – que minha melhor leitura de 2013 foi o livro do norueguês Karl Ove Knausgard, A morte do pai. Tomei como critério dois pressupostos: 1. escolher um livro contemporâneo, porque todo ano coloco clássicos nessas listas; e 2. foi um dos livros cuja leitura passou mais rápido. Admiro o livro, também, pela coragem que Knausgard tem em tornar os detalhes mais sórdidos e íntimos de sua vida em literatura, da mesma maneira como ele consegue prender o leitor falando de uma maneira espirituosa e límpida dos assuntos mais diversos, dos mais transcendentais, como seu primeiro contato com a morte, até aqueles mais banais, como um Réveillon regado à bebida. A autobiografia conta com o talento narrativo de Knausgard na mesma medida em que ele conseguiu se fazer um personagem interessante. E esse é só o primeiro de cinco volumes. Tomara que os próximos não demorem a chegar.

 

guiGuilherme Magalhães (equipe Posfácio):

Li alguns excelentes livros em 2013, que poderiam muito bem figurar aqui. A magia do meu primeiro Bolaño (As agruras do verdadeiro tira), o melhor retrato que já li sobre o amor de um pai pelo seu filho (Uma morte em família, James Agee), a maravilhosa saga onírica de Jurandir (O sonâmbulo amador, José Luiz Passos), o romance exemplar da cacofonia dos dias atuais (Reprodução, Bernardo Carvalho), um livro delicioso do início ao fim (Cadê você, Bernadette?, Maria Semple). Mas uma leitura em particular me assombrou. Não há frase desnecessária nas 280 páginas de Homem lento, do Nobel sul-africano J.M. Coetzee. Assim como não há a preocupação em construir personagens que sejam simpáticos aos olhos do leitor. Ao narrar a trajetória de um velho após a perda de uma das pernas, Coetzee escreve um amargo retrato da condição humana. Terminar um livro do autor (Desonra foi outro dele que li em 2013) coloca o leitor em um permanente estado de reflexão, de digestão daquela narrativa. No qual me encontro até hoje.

 

Taize Odelli (equipe Posfácio)

Minha lista de melhores leituras de 2013 contém 16 livros. Como não há espaço para falar de todos eles (e não precisaria, pois está tudo explicadinho aqui), vou tentar escolher só um para comentar. Os critérios que usei foram: 1- a leitura reverberou por muito tempo na minha cabeça ao mesmo tempo em que me divertiu bastante, e 2 – eu recomendei o livro efusivamente a cada vez que eu ouvia alguém comentar algo sobre ele. Acho que isso aconteceu mais com O escolhido foi você, da Miranda July. É um livro que simplesmente me deixou eufórica por causa da naturalidade com que Miranda expressou seus problemas e pensamentos. É como se ela fosse íntima dos leitores, sem medo de confessar coisas que dificilmente diríamos até para os amigos mais próximos. E principalmente pelo interesse dela por pessoas normais, descobrindo suas maneiras de irem tocando a vida apesar de terem falhado em boa parte de seus objetivos. Fiquei apaixonada pela dedicação de Miranda para concluir seus projetos, pelas maneiras criativas que ela encontrou de se desviar da ansiedade e dos bloqueios criativos que a travavam. Ela é o tipo de artista que eu gostaria de ser (caso almejasse ser uma algum dia).

 

tucaArthur Tertuliano, o Tuca (colunista Posfácio):

Ok, as minhas leituras favoritas do ano foram: Cloud Atlas, de David Mitchell; Garota exemplar, de Gillian Flynn; Cadê você, Bernadette?, de Maria Semple; O compositor está morto, de Lemony Snicket; A delicadeza, de David Foenkinos; A trilogia da margem, de Suzy Lee; Noites de Alface, de Vanessa Barbara; Nu, de botas, de Antonio Prata; A parte que falta, de Shel Silverstein; Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas; Will&Will, de John Green & David Levithan; A bicicleta epiplética, de Edward Gorey; A grande questão, de Wolf Erlbruch; O sr. Raposo adora livros, de Franziska Biermann; A espuma dos dias, de Boris Vian; Alta ajuda, de Francisco Bosco; A maçã envenenada, de Michel Laub; Psicose, de Robert Bloch; Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza; Todo dia, de David Levithan; Building Stories, de Chris Ware; Hotel Mundo, de Ali Smith; Todos nós adorávamos caubóis, de Carol Bensimon; Quatro soldados, de Samir Machado de Machado; Nada a dizer, de Elvira Vigna; Vitória Valentina, de Elvira Vigna; Quem é você, Alasca?, de John Green; Da arte das armadilhas, de Ana Martins Marques; Tipos de perturbação, de Lydia Davis; Toda poesia, de Paulo Lemisnki; O chamado do monstro, de Patrick Ness; Taxi, de Gustavo Duarte; Rabo de baleia, de Alice Sant’Anna; Os 13 porquês, de Jay Asher; 13 palavras, de Lemony Snicket. Eu sei que a lista não tá curta, mas eu a condenso a seguir. Calma! Há outros títulos muito bons, muitos, que dá dó de não colocar aqui. Muitos livros que me destruíram e me recompensaram como leitor. Selecionei quatro brasileiros e três estrangeiros, quatro escritos por mulheres e três por homens (adoro o número sete), em vez de um. Seria legal usar esse espaço para a minirresenha de um, mas me comprometo a resenhar todos os sete no Posfácio (ao menos os que ainda não resenhei). Pensando rápido, acho que foram esses os que mais mexeram comigo – ou seja, mais me bateram na cara, mais quebraram e superaram expectativas, mais me fizeram rir no meio da rua (e querer falar para os passantes que me acharam com cara de doido para lerem eles também aquele livro que aí eles iam entender), mais fizeram cócegas no meu cérebro, mais me deram vontade de abraçar os respectivos autores, mais me emocionaram, mais fizeram me sentir grato por não ter sido atropelado por aquele ônibus que passou tão rente a mim logo no começo de 2013. São eles: Cloud Atlas, Hotel Mundo, Cadê você, Bernadette?, Quatro Soldados, Noites de Alface, Nada a dizer e Nu, de botas. Ufa.

 

Gigio (editor Posfácio):

Ano passado escolhi um livro com um enredo tradicional e outro puxando mais para o fantástico. Desta vez, as duas coisas aparecem na mesma história, do excelente A fortaleza da solidão, de Jonathan Lethem. A princípio trata-se de um romance sobre um garoto branco que cresce no Brooklin dos anos 70, mas no meio do caminho há esse elemento insólito, um anel mágico que o protagonista encontra por acaso. “Sério, um anel mágico?” – foi o que muitos críticos disseram, mas a forma com que Lethem domina a parte realista da história, recontando as transformações de um bairro ainda então relegado às minorias, a ascensão do tráfico de drogas e do crack, na década de 80, a emergência do graffiti e do hip hop, etc, já faz valer a rubrica como um dos melhores livros da última década.

 

A-morte-do-paiBruno Mattos (colaborador Posfácio):

No âmbito da não ficção, o melhor que li em 2013 foi O Brasil não é Longe Daqui, de Flora Süssekind – um ensaio enciclopédico e de coesão inacreditável acerca da construção de uma ideia de “literatura brasileira”. É um livro fundamental para compreendermos não apenas a nossa literatura, mas também a constituição identitária do país. No que diz respeito à ficção – mas e o quanto isso é ficção? –, recomendo o excelente A morte do pai, de Karl Ove Knausgaard. O livro é arrebatador desde o início, onde em três páginas o autor faz uma excelente síntese das maneiras como a sociedade lida com a morte. Propaganda enganosa: qualquer vestígio de brevidade fica por ali, e o que se vê no resto do livro são descrições exaustivas, mas extremamente bem construídas, como se o autor quisesse nos provar que qualquer coisa pode ser tema para a literatura.

E tem ainda a categoria “livro de amigo”. É feio indicar livro de amigo, né? Mas não tem problema: vocês têm que ler Quatro soldados, do Samir Machado de Machado. É uma combinação perfeita entre diversão e relevância estética.

 

Márwio Câmara (colaborador Posfácio):

Entre as minhas inúmeras leituras completamente desregradas feitas no ano de 2013, eu poderia citar grandes encontros platônicos que tive com as obras de Raduan Nassar e James Joyce na minha vida, porém falarei de um dos últimos melhores lançamentos nacionais do ano, na minha humilde opinião. Trata-se da estreia do jornalista Rogério Pereira na ficção, com o bem-sucedido Na escuridão, amanhã – e falo bem-sucedido pelo seu livro ser de fato muito bom.

O romance ganha pelo total domínio e técnica narrativa de seu respectivo autor. Nada está fora do lugar, não há excessos – apenas o que deve ser dito. Uma narrativa densa, confluída tenuamente com a prosa poética, sobre o aniquilamento de uma família interiorana que segue para a cidade grande – esta que no livro é denominada como C. –, que parece afunilá-la, descamá-la ainda mais, sob a sombra rústica e medonha da figura patriarcal. Um romance que fala sobre traumas, sobre dores sufocadas pelos silêncios interiores de suas personagens – silêncios inquietados, os quais são externados em dois relatos vividos pelos membros da mesma família –, fazendo deste livro prematuramente uma de nossas grandes obras da literatura brasileira contemporânea.

 

isaIsadora Sinay (equipe Posfácio):

Não é, de forma alguma, fácil escolher a melhor leitura de um ano em que li Ulysses, Catch-22, Desonra e David Foster Wallace. Mas por mais que tenha sido um ano de muitas, e ótimas, leituras, nenhum livro me revirou por dentro como Pastoral Americana.

Philip Roth entrou por baixo da minha pele com uma história sobre a absurda falta de sentido de tudo que é a vida e a enorme dificuldade que um homem comum enfrenta para entender que a existência, mesmo sua própria existência, lhe escapa do controle. É um livro cruel, seco, que faz pouca ou nenhuma concessão ao leitor. É um livro sobre a América, em primeiro lugar, mas fundamentalmente sobre o acaso, a falta de sentido e a brutalidade de se estar vivo.

Em um ano que li clássicos e prêmios Nobel, Roth, que não é menos aclamado, sendo justa, ganha porque conseguiu mover alguma coisa visceral e dolorida e causar a sensação que poucas obras conseguem.