Andrés Caicedo nasceu em Cali, na Colômbia, em 1951, e se matou na mesma cidade em março de 1977. Foi dramaturgo, organizador de cineclubes e escritor. Com seu suicídio prematuro, sua figura marginal e uma literatura extremamente fincada nas vozes da rua, Caicedo é visto como o “inimigo de Macondo”, a principal figura de uma corrente diletante, daqueles que se oporiam aos pilares sagrados da cultura colombiana.

Sua prosa é realmente oposta à de García Márquez: Viva a música! é um livro profundamente arraigado em seu tempo, orgulhosamente produto das festas, dos shows e da juventude hippie colombiana. Não há aqui qualquer pretensão à universalidade ou a deixar uma marca no tempo. Caicedo não é um aspirante a Nobel, ele é um retratista de sua época, e isso é ao mesmo tempo seu ponto forte e seu maior defeito.

Viva a música! é narrado sob o ponto de vista de Maria, uma garota “loira, loiríssima”, filha da classe média alta de Cali que abandona seu protegido ambiente familiar e mergulha cada vez mais nas drogas, música e liberdade que os anos 70 oferecem. Há dois privilégios importantes que Maria irá abandonar em sua busca: a classe e a raça.

A descrição inicial da protagonista parece gratuita. Ela nos conta que é branca, loira, muito loira e de olhos claros. Mas a Colômbia, como diversos países da América Latina, tem um problema sério e um abismo entre sua população branca e indígena. Caicedo insere sutilmente o tema de uma “verdadeira Colômbia” ao levar sua protagonista a afastar-se cada vez mais do ambiente urbano e de amantes brancos.

O problema é que a fala de Maria é frenética, fragmentada, embalada pelo constante uso de drogas, e a personagem parece nunca tomar verdadeira consciência do que lhe ocorre. O autor tenta tratar de temas como colonização, tráfico de drogas, e a ideia do país com um Eldorado hippie onde americanos e europeus podem viver de natureza amena e drogas baratas, mas tudo isso está na boca de uma protagonista que nada compreende, que não sofre nenhum amadurecimento significativo e termina o livro em um apartamentinho sustentada pelo dinheiro dos pais.

Me pergunto com frequência o quanto somos capazes de livrar nossa perspectiva de tudo que já conhecemos e tentar olhar uma obra com o frescor que ela deveria ter na época. Ao mesmo tempo, se o fôlego de algo se perde com o passar do tempo, deveríamos considerar esse defeito sem amenizá-lo? Entender que o livro não sobrevive ao tempo é um demérito? Hoje, quando a adolescente rica que goza na podridão já se tornou um clichê popularizado por livros como Hell e Cem escovadas antes de ir para a cama, Viva a música! me soa forçado, fraco, exaltando uma rebeldia que nunca se cumpre. Contudo, é possível considerar que em seu contexto o livro fosse novo, original. É possível ver Caicedo como uma voz nova e importante na literatura colombiana.

Ao rejeitar o realismo fantástico e tentar fincar seus dois pés na realidade urbana, mutante e jovem, Caicedo demonstra uma preocupação com o presente do país, não com seu imaginário. Seu texto não é sobre famílias longínquas e mitos fundadores, é sobre uma juventude perdida em sua identidade, sobre uma classe dominante que, embora próxima dos “colonizadores”, não consegue identificar-se com esses e quer fazer lar em seu próprio país. Maria embrenha-se no interior da Colômbia onde passa a viver de assaltos e agressões aos “gringos” exploradores, sem no entanto perceber a real dimensão de seus atos.

Viva a música! é um livro urgente, moderno, potencialmente original. Mas falha ao não permitir um crescimento interior a sua personagem. Maria absorve tudo, é eterna espectadora, mas nada a toca. O niilismo da personagem poderia funcionar em uma personagem mais bem construída, mas plena de vida interior, mas Maria é completamente vazia. É curioso e problemático que um livro narrado no fluxo de consciência de uma personagem não releve ao leitor nenhuma interioridade.

No fim, o livro parece, como a personagem, um exercício de rebeldia vazia. Caicedo grita, joga sangue e desconstrução nas páginas, mas não vai a lugar nenhum. Assim como Maria, que mergulha no submundo para voltar a ser sustentada pelos pais e atuar como prostituta ocasional. Há uma metáfora interessante na prostituição da protagonista, mas a sensação é que o autor já esgotou seu tempo com ela; o simbolismo permanece ali, em um niilismo fácil e adolescente.