Quem acompanha o Meia Palavra já leu várias resenhas das revistas da editora Arte e Letra. Sabem então o quanto a ideia é bacana: publicar textos menos conhecidos de autores renomados ou textos de autores desconhecidos – tudo isso em tradução. De quebra, toda edição ainda conta com material autoral, via de regra resultado do esforço de escritores mais ou menos estreantes (mas não necessariamente). E apesar de não se tratar do foco principal da revista, não se pode esquecer de que cada edição traz um ilustrador diferente, o que também acaba sendo bem legal.

Na edição O (se não estou enganado, a penúltima, mas ainda não tive contato com a P) temos um universo variado de autores, que começa com o criador de Peter Pan, J. M. Barrie , e vai até o terror do curitibano G. Norris, sem deixar de lado autores latino-americanos e franceses.

Barrie aparece com o conto “O criado sem consideração”, em que um rico frequentador de um clube de alta sociedade sente-se moralmente acuado ao perceber que se importa com um dos criados do clube. Contemporâneos a Barrie, a edição também traz textos de Joseph Conrad e Robert Louis Stevenson.

Conrad descreve as agruras de escrever a respeito de si próprio – em uma época em que isso não se fazia com a frequência com que se faz hoje – em “Um Prefácio Familiar”. Stevenson aparece com um terror que flutua entre o fantástico e o psicológico na história dos estudantes de medicina Fettes e MacFarlane, que eram os responsáveis por obter cadáveres para a aula de anatomia de um eminente professor em “O ladrão de corpos”.

Se a literatura inglesa do século XIX está mui bem representada por essas traduções, o Brasil não é deixado de lado: no mesmo recorte temporal temos Coelho Neto com “A casa ‘sem sono””. Voltando-se para escritores contemporâneos a revista traz os contos “Alto alto alto”, do curitibano Luiz Felipe Leprevost, “Abdução”, de Luiz Bras (natural de Cobra Norato, no Mato Grosso do Sul), “Apague a luz”, do já citado G. Norris e “Distâncias”, de Carola Saavedra – que nasceu no Chile, mas mudou-se para cá aos três anos e escreve em português .

Não gosto de literatura de horror à lá Stephen King, mas o conto de Norris é bastante interessante, criando uma espécie de metaliteratura lovecraftiana. No extremo oposto está o conto de Saavedra, uma prosa leve e melancólica, quase poética.

Há um único autor hispano-americano, José Antônio de Lavalle, escritor peruano do século XIX que retrata o período colonial em suas obras. Não é ruim, mas simplesmente não me diz muita coisa.

Por outro lado, os dois curtos contos do francês Serge Pey, “A roupa e o varal” e “A cega”, são o ápice dessa edição. Ambos versam sobre a Guerra Civil Espanhola e recorrem a uma arquitetura memorialística do mundo, mesmo depois que essa memória já está a se apagar.

As ilustrações ficaram a cargo de André Ducci, quadrinista que já ilustrou revistas mundo afora. São bem interessantes, quiçá o único pecado (ou não) seja elas estarem, muitas vezes, completamente fora do contexto dos contos.

De qualquer maneira a revista continua fazendo o que fez em outras edições, com um trabalho louvável e interessantíssimo, oferecendo grandes oportunidades para se conhecer novos (e velhos) autores.

 

Arte e Letra: Estórias O

Autores: Joseph Conrad, Luiz Bras, Carola Saavedra, Serge Pey, J. M. Barrie, Luiz Felipe Leprevost, José Antonio de Lavalle, Coelho Neto, Robert Louis Stevenson, G. Norris

Ilustrações: André Ducci

Tradutores: Iara Tizzot, Irinêo Baptista Netto, Beatriz Sidou, Adriano Scandolara, Luana Azzolin.

84 Páginas

Preço Sugerido: R$ 20,50

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