Tudo começa com uma inquietação que surge do nada e gera um certo desconforto do corpo na cadeira, te obrigando a tirar os olhos do seu livro. Você olha pro lado, nada. Olha para o outro lado, nada. Ao retomar a leitura, aquela sensação de estar sendo observado volta a aparecer. Você olha pra cima de supetão. AHA! Por milissegundos, você flagra um olhar que rapidamente desvia do seu livro para a exata direção oposta, sustentando imóvel e artificial para o horizonte infinito, mas, passado alguns instantes, volta a criar vida e espreitar em sua direção com o intuito de saber se você já baixou a guarda, para que então possa voltar a bisbilhotar a sua leitura. Isso é o dia a dia de uma pessoa que lê em lugares públicos.

Uma das piores coisas que pode existir no que diz respeito a ler nesses espaços é notar que tem alguém espionando sua leitura. Não tem problema que o ônibus chacoalhe, que o metrô faça barulho, ou que seja preciso ficar embaixo do sol no parque, mas sim perceber que existe ali, no meio de todas aquelas pessoas, um ser desconhecido e dissimulado que, sem pedir permissão, tenta se intrometer e captar as palavras que eram para ser destinadas somente a uma pessoa naquele momento.

Um livro é, de certa forma, uma confissão, um segredo que, enquanto estiver em suas mãos, estará guardado. Se fosse para ser diferente disso, que se chamasse cinema. Ou então, que fosse gritado no meio da rua, em audição pública, como eram as manchetes no início do jornal impresso. Eu consigo imaginar, inclusive, alguns truques para manter pessoas bisbilhoteiras longe dos nossos preciosos livros. Quem se interessar pode me procurar portando uma canetinha de laser, pimenta, espelho de maquiagem e um par de elásticos de cabelo.

Mas, afinal, a quem eu estou querendo enganar? Por mais que eu viva esse drama mexicano dos leitores observados, não posso negar que eu seja uma das pessoas indelicadas que “dá só uma olhadinha” no livro alheio. Não tem como evitar: a curiosidade fala mais alto quando percebo que existe alguém muito concentrado em uma leitura que parece ser interessante. Quem sabe aquilo não pode se tornar uma futura dica de livro a se comprar, não? O grande negócio é observar sem ser observado (vulgo stalker).

a) Use óculos escuro: Aproveite que a gente está nesse país tropical ensolarado e pegue o seu melhor óculos escuro. Com ele fica mais difícil a pessoa notar para que lugar você está exatamente olhando. Se o alvo suspeitar muito, você pode inclinar a cabeça em 30 graus para o lado e simular um ronco. É infalível.

b) Prepare o bote por trás: Em assentos de ônibus e metrô, o grande truque é sentar precisamente uma cadeira atrás do nosso alvo. Uma olhadinha pela fresta lateral ou por cima dificilmente será percebida. Sucesso!

c) Utilize sabiamente seu próprio livro como forma de proteção e álibi: Não estou sugerindo que você finja que está lendo algo, mas, se você estiver com o seu livro em mãos, ai está uma boa oportunidade para um intercâmbio de informações. São inúmeras as possibilidades: você pode usar o livro como escudo para ampliar o seu campo de visão, ou então virar bruscamente a página toda vez que a pessoa suspeitar estar sendo observada. Você ainda pode se fazer de ofendido e se mostrar incomodado com o alvo, como se ELE quisesse ler o que você tem em mãos. Por fim, você pode deixar o seu livro em uma posição de fácil leitura para o alvo, para que ele se interesse em olhar o seu livro enquanto você olha o dele.

Enfim, as possibilidades são infinitas. Talvez a questão nem seja assim tão profunda para a maioria das pessoas, que estão mais ocupadas com o próprio livro e não se incomodam com quem vai espiar, mas eu não poderia terminar essa coluna sem deixar minha homenagem musical como forma de admiração a todos os curiosos e bisbilhoteiros que conseguem passar desapercebidos por aí.

(Enquanto vocês estavam lendo essa coluna, eu invadi seus quartos, mochilas, estantes e redes sociais para descobrir e acompanhar o que vocês estavam lendo.)