O principal motivo que me levou a ler o livro Abaixo de zero, de Bret Easton Ellis (que saiu pela parceria L&PM – Rocco) foi o fato do jornal USA Today tê-lo chamado de “O apanhador no campo de centeio da geração MTV”. Isso foi o suficiente para despertar minha curiosidade a respeito desse que se anunciava um verdadeiro romance cult.
Embora tal curiosidade tenha colocado minhas esperanças em alta, procurei ser o mais comedido possível e não ficar forçando paralelos com o livrz de J. D. Salinger a todo o momento. Para falar logo de uma vez: não, Abaixo de zero não é melhor que O apanhador no campo de centeio, pelo menos não na minha opinião. Isso, no entanto, está longe de ser um motivo para enxergá-lo como um livro insignificante. Ele traz questões intensamente relevantes para nosso tempo.
Basta de comparações por hora. Abaixo de zero tem como seu protagonista o jovem Clay, que volta de férias da universidade, onde cursa Cinema, para passar os feriados de final de ano com sua família e amigos. Acontece que o que supostamente deveria ser um momento feliz (ou pelo menos minimamente interessante), onde se matam as saudades e comentam-se sobre as conquistas alcançadas, os obstáculos encontrados e os desafios do porvir; se torna um mergulho perigoso num turbilhão de sexo, drogas e extravagâncias.
Clay reencontra Blair, uma garota que paquerava nos tempos de colégio, mas não redescobre por ela nada mais que uma atração física vazia, que parece logo passar após algumas noites passadas juntas. Clay encontra também amigos seus do colégio, como Trent, Daniel e uma porção de outros jovens, e descobre que eles estão entranhados no submundo das drogas e alucinógenos, o que ele encara numa boa, afinal, ele é usuário desses produtos.
A situação doméstica de Clay é pouquíssimo convidativa: a separação dos pais deixa qualquer conversa com um clima constrangedor, e os desconfortáveis silêncios que pontuam cada troca de comentários genéricos torna qualquer tentativa de diálogo mais um fracasso. Para coroar tudo isso, os expedientes familiares comuns, como abraços, refeições e desejos de boas festas, são conduzidos com tal artificialidade que sabemos que o que os move não é nada genuíno, é o mero cumprimento de formalidades necessárias. Cada membro da família é uma ilha solitária observando as demais.
Bret Easton Ellis retrata aqui uma espécie de “geração perdida”, mas não nos moldes daquela da década de 20, de cuja safra saíram grandes nomes como Hemingway e Fitzgerald; mas uma “geração perdida” pelo vazio em que suas vidas se tornaram. Não são poucos os momentos em que Clay se vê diante de inúmeras possibilidades (afinal, o dinheiro as compra aos montes), mas não encontra nele mesmo, em seu íntimo, algo que o faça tender para qualquer uma delas. O gozo sem limites, que parece ser o desejo de muitos desses jovens, acaba revelando que nessa busca por prazer e satisfação suas próprias identidades sucumbiram.
Numa era de facilidades (para quem tem dinheiro, obviamente), a falta de obstáculos acaba embotando a capacidade de lidar com as dificuldades. As drogas, o sexo, as festas (e são muitas as festas a que eles vão) são saídas fáceis para problemas difíceis, problemas que não vão sumir até que se lide com eles, é possível até mesmo que nunca sumam. Ao deixar de lidar com os problemas, os personagens de Abaixo de zero deixaram de colher os frutos de suas frustrações, as quais, ao contrário do que ouvimos cotidianamente, não são somente ruins.
Clay vê amigos seus se preocupando com abortos frutos de inconsequência, degringolando ladeira abaixo por causa de drogas, desnorteados por não quererem se apegar a nada, já que assim é mais fácil. Ellis mostrou muito bem isso ao colocar como “inferno” aquilo que muitos talvez considerem o “paraíso”: Clay tem tudo o que o dinheiro pode comprar, vive uma vida cheia de festas, baladas, curtição, mulheres e todos os tipos possíveis de lenientes, mas ainda assim, quando se volta a si mesmo, a sua própria existência, descobre o quanto ela é inócua. A partir dessa constatação de vazio derivam outros sentimentos: melancolia, desespero, depressão, auto-destruição, agressividade entre outros.
A confusão diante da incapacidade de se situar perante o mundo fica expressa de forma emblemática no seguinte diálogo, entabulado por Clay e seu amigo Rip, a bordo de um dos mais tradicionais símbolos do dinheiro, um carro:
“- Aonde estamos indo? – perguntei
– Não sei. Rodando por aí.
– Mas esse caminho não leva a lugar nenhum.
– Não interessa.
– O que interessa então? – pergunto, depois de um tempo.
– Simplesmente que estamos nisso, garotão.” (p. 162)
Os jovens personagens de Abaixo de zero parecem ser as encarnações avessas daquela máxima de Nietzsche: “O que não me mata me deixa mais forte.” Fugindo do que pudesse matá-los ou deixá-los mais fortes, eles ficaram mais fracos.