O povo Hede é um povo antigo, já há muito perdido. Suas origens são misteriosas e, talvez, seu legado ainda mais. Manuel Graña Etcheverry – poeta argentino e genro de Carlos Drummond de Andrade – pesquisou-os e verteu, pela primeira vez, seus poemas para a língua portuguesa. O resultado é a Antologia Hede, um trabalho tão complexo quanto interessante.

Os hedes habitavam uma terra chamada Hedália, que dividiam com outros dois povos: os androcos e os carudos. A fauna e a flora desse lugar eram escassas, mas certamente peculiares. Sua sociedade desenvolveu-se de modo rudimentar, e era um tanto quanto violenta. Mesmo seu idioma era limitado, com poucas palavras sendo conhecidas por cada indivíduo, e ocorria de elas não coincidirem. Diferente de outras tantas sociedades antigas, acreditavam em deuses, mas aprenderam a não depender e nem confiar neles, preferindo manter distância.

Apesar de todas essas características estranhas, eles nutriam profunda afeição pela poesia e pela dança – mesmo não possuindo música. E suas poesias eram de uma profundidade impressionante, ainda mais considerando-se a limitação que sua língua sofria.

Graña Etcheverry publica agora, pela Companhia das Letras, a versão em português de seu livro – publicado originalmente em 1954 em espanhol e que ele mesmo traduziu. Apresenta-nos não só esses dados aqui, como toda a obra poética dos Hede que chegou ao nosso tempo, incluindo as obras de Pamódia, seu poeta máximo.

É claro que a maioria das pessoas nunca ouviu falar dos Hede, nem de Pamódia. E que tudo isso deve parecer bastante estranho. O livro é, afinal, uma grande mentira. Uma brincadeira poética: as palavras hede são fonemas sem significado, que se repetem de modo tolo – e que Graña “traduz” como quer, criando poemas bastante divertidos.

Não é, porém, um brincadeira desprovida de sentido: os Hede são tão bárbaros mas, como o próprio autor nos mostra ao falar do que seu povo imaginário nos legou, são mais parecidos com o homem ocidental do século XX e XXI do que gostaríamos de admitir.

Mesmo os poemas obedecem a um jogo sutil: Pamódia era o mais genial dos Hedes, com o vocabulário mais complexo. Seus poemas, porém, são os menos arrojados e cuja genialidade parece ser imputada puramente pela leitura que se faz deles. Os outros autores – teoricamente tributários de Pamódia – o superam tranquilamente, mas são sempre relegados à serem menores.

Vale ainda destacar o belo projeto gráfico do livro, bem como as ilustrações de Alexandro Camanho, que ajudam a construir a ilusão pretendida pelo autor.

Antología Hede: uma literatura desconhecida

de Manuel Graña Etcheverry,

tradução pelo próprio autor, sob supervisão de Aline dos Santos e Luis Maurício Graña Drummond.

168 páginas

R$ 37,00

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras