Pode parecer um bocado incoerente que alguém supostamente favorável à disseminação de uma tecnologia se ocupe em relacionar anti-motivos para o uso dessa mesma tecnologia, mas eu penso que é apenas um exercício útil para tentar encontrar soluções para mudar os rumos daquilo com que nos debatemos ainda hoje no Brasil, ou seja, uma promessa do que o e-book será… promessa com prazo de cumprimento sempre postergado.

Então, vamos dar uma olhada neste pequeno apanhado de motivos para que um leitor comum não leia e-books no Brasil. O ordenamento não é por ordem de impacto sobre o mercado, é apenas aleatório.

  • O maldito DRM: já discutimos muito sobre todas as suas desvantagens e sua ineficácia para efeito de proteção dos direitos autorais/editoriais/negociais; o caso é que o DRM, para um usuário mediano em termos de informática, leva à limitação tanto dos dispositivos em que o leitor pode usufruir da obra “alugada”, a menos que se converta em um “marginal” quebrador de DRM;
  • Poucas, muito poucas opções de lojas: alguns poderão alegar que no caso dos livros impressos as alternativas não são tão mais numerosas do que as que podemos encontrar na web para compra de e-books, mas se pensarmos em um consumidor que não lê outra língua e não possui um cartão de crédito internacional, isso significa restringir-se às lojas nacionais – talvez uma dezena de livrarias com um catálogo razoavelmente diversificado, e isso é muito pouco!
  • Poucos títulos: diretamente relacionado com o pequeno número de “pontos de venda” há a reduzida oferta de títulos – em janeiro deste ano eram cerca de 11 mil títulos (conforme esta pesquisa);
  • Preços pouco atrativos: apesar de já ter comentado antes que a diferença de preço entre versões impressas e e-books não é assim tão maior no mercado americano (a grande maioria dos títulos da Kindle Store custa, aproximadamente, 30% menos que as as versões em brochura), as demais diferenças lá são enormes – da facilidade de compra sem sequer precisar de um computador até a imensa oferta de títulos de todos os gêneros;
  • Ausência de promoções: é um mistério que não compreendo, mas considero um fator determinante para a não conquista de leitores. Além de nos depararmos com situações em que o livro impresso em promoção pode custar bem menos do que as versões em e-book, não se vê a Cultura ou a Saraiva anunciarem e-books em promoção na página principal dos sites, por exemplo. A iba promete vários títulos gratuitos, mas são títulos que podemos encontrar sem custo em diversas outras fontes sem termos de baixar seu aplicativo e fazermos o cadastro que lhes entrega dados pessoais mesmo antes de uma compra;
  • Amostra grátis: é raro (na verdade, até hoje só encontrei essa prática para as edições da KBR) o leitor ter acesso a uma amostra grátis do livro nas livrarias nacionais e, considerando tratar-se de uma tecnologia recente que precisa conseguir “adeptos”, seria natural esperar que os leitores fossem convidados a experimentar o e-book antes de se decidirem pela compra;
  • Alto preço e a relativa dificuldade para comprar eReaders: eles não são sequer muito visíveis em lojas físicas e o grande público praticamente os ignora. Esse é também um entrave significativo que poderá cair por terra e mudar muito o rumo do mercado se a Amazon realmente passar a vender o Kindle por preços acessíveis aos leitores do Brasil;
  • A sedução de tablets: e de todos os seus aplicativos não é propriamente um entrave, mas um competidor vigoroso, que se soma ao próximo fator…
  • O fato de sermos uma nação não-leitora: tem um peso muito alto no cenário de vendas, não só de e-books, mas de livros em geral. Esse é um nó cego que precisa ser desfeito e a própria tecnologia do e-book poderia ser uma alternativa de fazê-lo, mas para isso todos os demais entraves precisariam ser eliminados com grande eficácia;
  • Divulgação: e misturado a tudo isso, resta ainda a questão da divulgação, ou seja, tornar compreensível, decifrável e desejável o e-book para qualquer leitor em potencial. A realidade hoje é que somos poucos os que sabemos minimamente o que é e como se utiliza um e-book, e isso precisa mudar. Informação é uma arma poderosa nessa cruzada.

Quem já teve alguma noção básica de marketing passou pela teoria dos 4P’s (produto, ponto, preço, promoção), e, ainda que numa análise muito muito rasa, podemos concluir facilmente que todos os que trabalham com o produto e-book no Brasil estão pecando em algum dos quatro P’s (e em alguns casos, em todos) e isso, segundo um dos nomes mais conhecidos do marketing – Philip Kotler -, é caminho seguro para insucesso.

Sobre a autora: Maurem Kayna é gaúcha, Engenheira Florestal, baila flamenco e tem profundo interesse por literatura desde criança. Além de leitora tão voraz quanto permita o tempo, há algum tempo se aventura na escrita e, por conta de alguns destaques recebidos em concursos na web ou em meio impresso, chegou ao atrevimento da publicação independente do e-book Pedaços de PossibilidadeNo blog homônimo ao livro tenta provocar a discussão acerca dos e-books no Brasil e divulga contos seus e, eventualmente, outras discussões sobre literatura.