Até hoje nunca havia assistido Titanic. Foi uma oposição consciente, tomada durante a adolescência – uma espécie de contestação inútil, a respeito de algo totalmente inútil.
A decisão foi revogada tão irrefletidamente quanto foi tomada, desta vez cedendo a um convite.
O filme não fala sobre um navio. Fala sobre uma garota chamada Rose, ao redor da qual o universo parece girar: o responsável pela construção do navio lhe pede desculpas por não ter construído um navio suficientemente forte para ela, Jack dança com uma criança apenas para depois dançar com ela. Mas é ela quem conta a história, logo, isso faz todo o sentido do mundo.
O personagem mais altruísta de todos é um homem gordo, vestido de branco e com um bigode à lá Stalin, que aparece inúmeras vezes ajudando pessoas diferentes. Uma delas, inclusive, é Rose.
O caráter das personagens é demostrado por seu apreço à arte: Rose gosta de arte moderna – aquela que era revolucionária nos tempos do navio, mas que hoje é perfeitamente reconhecível como canônica pelo espectador; Jack desenha de modo invejável e tem gosto semelhante ao de Rose; Cal, o grande e inescrupuloso vilão, não tem um gosto: nada é dito sobre suas preferências, mas ele repudia o que é caro para os protagonistas.
Jack é materialmente pobre, mas tem o mais rico dos espíritos. Mesmo próximo da morte, continua a consolar sua amada e a fazer piadas.
Rose é a garota rica com espírito aventureiro. Almeja, acima de tudo, ser livre. O conceito de liberdade, porém, é o de se prender a alguém de classe social inferior.
Cal é um monstro: em nome do dinheiro, desrespeita a tudo e todos. Vive por e para o status.
Os músicos são nobres: morrem tocando. Só seriam superados pelos de Auschwitz, que muitas vezes começavam a tocar apenas depois de mortos.
A terceira classe e os ratos carregam uma semelhança triste: são os primeiros a perceber que o navio vai afundar.
Fabrizio, o italiano, é uma espécie de comic relief: fala de modo engraçado, serve a algumas piadas. Tenta se salvar usando um colete ensanguentado e com buraco de bala, que pertenceu a Tommy, o irlandês. É estranhamente parecido com o latino prototípico da maioria dos filmes americanos.
O filme não me agradou: eu já sabia desde o início. Mas, como disse a amiga que me acompanhou, agora eu completei o que ainda era possível dos anos noventa. Infelizmente nunca assistirei a um show do Nirvana.
Também foi minha primeira experiência com filmes 3D. Um tanto desapontador, confesso.
Como eu esperava, o SS Californian não é mencionado. É um navio que estava bastante próximo do Titanic à hora do naufrágio. Foi a sua tripulação que avisou a do navio naufragado sobre a presença de icebergues nas proximidades. Não respondeu aos pedidos de ajuda pois os rádio-operadores interpretaram os sinais em código morse de luzes de maneira errada. Além disso, seu capitão dormia. Três anos mais tarde, o Californian afundou, atingido por um submarino alemão. Uma pessoa morreu, e o navio até hoje não foi encontrado. Não me parece, no entanto, que as buscas tenham sido extensivas.
2 thoughts on “Esquizofrenia Progressiva – Notas sobre um naufrágio”
“Mas, como disse a amiga que me acompanhou, agora eu completei o que ainda era possível dos anos noventa. Infelizmente nunca assistirei a um show do Nirvana.”
Como toda egoica, penso que, se tivesse a coragem de viver o que ela diz ter vivido, naquela época, contaria essa história na primeira pessoa. Pois tão jovem, os sensores “primitivos” absorvem tudo e a sensação é de que o mundo circula ao redor.
Principalmente por sobreviver a uma catástrofe, haveria em mim tantos sentimentos que gostaria de extravasar, de concretizar de alguma forma as minhas lembranças.
Levar uma pessoa a mergulhar no imaginário de um mar congelante, capaz de imobilizar até imagens, o silêncio mortal e toda aquela paixão… é, compartilhar uma grande emoção! Prova que há poesia, em temperaturas extremas, também.
O filme vi normal, não em 3D e achei deslumbrante.
“Mas, como disse a amiga que me acompanhou, agora eu completei o que ainda era possível dos anos noventa. Infelizmente nunca assistirei a um show do Nirvana.”
LOL!
Ótima coluna, Luciano!
Como toda egoica, penso que, se tivesse a coragem de viver o que ela diz ter vivido, naquela época, contaria essa história na primeira pessoa. Pois tão jovem, os sensores “primitivos” absorvem tudo e a sensação é de que o mundo circula ao redor.
Principalmente por sobreviver a uma catástrofe, haveria em mim tantos sentimentos que gostaria de extravasar, de concretizar de alguma forma as minhas lembranças.
Levar uma pessoa a mergulhar no imaginário de um mar congelante, capaz de imobilizar até imagens, o silêncio mortal e toda aquela paixão… é, compartilhar uma grande emoção! Prova que há poesia, em temperaturas extremas, também.
O filme vi normal, não em 3D e achei deslumbrante.