A coleção Encyclopædia, lançada pela editora L&PM, traz um conjunto de livros – com caráter de ensaio – cuja intenção é servir de introdução a algum tema cuja amplitude não permite que ele seja abarcado por somente um livro. Já tendo lido alguns livros dessa coleção, posso dizer que, se você está querendo adentrar em um assunto, seja ele Geração Beat, Existencialismo ou Crise de 29; e não quer dar logo de cara com os cânones consagrados sobre ele, os títulos da coleção Encyclopaedia são boas formas de fazê-lo.

Essa resenha dedica-se ao livro dessa coleção intitulado Rousseau, e foi escrito pelo pesquisador Robert Wokler. A partir de seis capítulos, o autor procura deslindar algumas das facetas e dos aspectos mais pujantes e cruciais do pensamento de um dos mais importantes filósofos de toda a História da humanidade: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Rousseau foi um dos mais – se não o mais – importante filósofo inspirador do processo revolucionário francês de fins do século XVIII. Suas explorações sobre os mecanismos e dinâmicas da sociedade e sua obstinada busca em estabelecer princípios de governo que abarcassem essa complexidade, envolvendo-a com justiça e igualdade, foram a base da constituição de inúmeros grupos e partidos ao longo da década revolucionária.

O pensamento filosófico de Rousseau está incrustado num momento peculiar da história européia, num século no qual grandes mudanças estavam sendo gestadas e levadas a cabo. Os pensadores, aos poucos, começavam a se voltar menos às abstrações metafísicas e idealistas, e passaram a dedicar seu ofício a compreender os mecanismos subjacentes à vida social, pesando-os, compreendendo-os e defendendo, nesse ínterim, as melhores formas de organizá-la e apreendê-la, seja de modo a legitimar governos ou administrar a vida pública.

Ao contrário de pensadores anteriores, dos quais Thomas Hobbes é o mais representativo; Rousseau não concebia a “natureza” humana como essencialmente má, Rousseau localizou precisamente no passado do homem uma pureza (às vezes exagerada) que, ao invés de considerar a história da humanidade como uma evolução essencial, a concebia como um processo que não tem necessariamente nem uma orientação nem um balanço plenamente positivo. Tal crença foi combustível para inúmeras polêmicas, mas contribuiu para um avanço tão pesaroso quanto crucial: fixar o problema não somente no passado, mas no presente, precisamente no tipo de sociedade que imperava nos domínios europeus, o absolutismo do Antigo Regime.

Ainda que tenha, posteriormente, matizado sua visão acerca do passado, Rousseau construiu ao longo de seus escritos uma interpretação sobre o passado da humanidade baseado no retrocesso cronológico observado em outras sociedades, a partir do qual ele desvendava (com uma acuidade impressionante) os fundamentos da sociabilidade passada e a maneira como eles tinham sido mudados com o passar do tempo. Mais do que como um desígnio divino ou como um processo natural por excelência, Rousseau concebia esse processo como a passagem do “homem da natureza” para o “homem do homem”, i.e., a “evolução” do homem não era um processo do domínio natural pura e simples, mas social e historicamente construído.

Rousseau foi um dos pioneiros no reconhecimento da “natureza” histórica do homem e das implicações que sua capacidade intelectual lhe dotava. O homem é o único ser que pode alterar sua natureza, dizia Rousseau, mas, como fica claro n’O contrato social, não o faz de forma solitária, mas sempre em sociedade.

Em seus escritos políticos, entre os quais se destaca vigorosamente O contrato social, Rousseau investiga a estrutura dos governos existentes (inspirando-se abundantemente nas fontes clássicas greco-romanas) e, a partir de sua investigação, infere alguns dos sustentáculos do direito político que deveriam reger o governo de qualquer administração pública, principalmente porque, segundo ele, o poder deve emanar da vontade geral, pois essa é a condição de sua legitimidade.

Realmente há muita coisa para ser dita sobre Rousseau, visto que nem mencionamos seus escritos sobre a Educação e mesmo os românticos. Robert Wokler enfeixa nos capítulos temas fundamentais da filosofia de Rousseau e opera a partir dele, apesar do espaço reduzido de uma forma dinâmica e didática sem se tornar superficial demais. Desnecessário dizer que o livro não substitui a leitura das obras de Rousseau, abundantes de sentido e inspiradores como o são. Como conselho, que me sinto na obrigação moral de dar, entusiasta de Rousseau que me considero, sugiro veementemente que leiam tanto os livros como os discursos.

Destaco dois em especial: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e O contrato social, que são textos fundamentais da tradição humanista, do pensamento político e da sociedade humana como a conhecemos hoje. Se os tiverem em mãos, o Discurso sobre a origem das línguas e os romances Emílio ou Da educação e Júlia ou A nova Heloísa são também belíssimos e essenciais.