Desde que li Milan Kundera pela primeira vez (com A insustentável leveza do ser) fiquei profundamente intrigado a respeito do modo como as relações entre as personagens se desenvolviam. O triângulo Tomas, Tereza e Sabine, além das adições de inúmeras personagens anônimas, fez com que eu questionasse o modo como eu pensava a respeito de relacionamentos e de sexo. Afinal, será mesmo necessária toda a seriedade com que encaramos esse aspecto da vida? É mesmo necessário tanto peso? Qual a razão de as pessoas sofrerem tanto com isso?
São perguntas para as quais não encontrei – e nem planejo encontrar – respostas. Para algumas delas tenho minhas convicções pessoais – nem sempre compatíveis com as da maioria do mundo, algumas vezes nem sempre praticáveis por uma série de questões. Mas a reflexão a partir da obra do escritor tcheco continua sendo válida. Até porque ela se estende para muito além de A insustentável leveza do ser – é bastante clara em outros livros do autor, como A vida está em outro lugar, Risíveis amores e O livro do riso e do esquecimento; apenas para citar alguns dos meus favoritos.
A todo momento o sexo aparece como uma potência, uma força quase que incontrolável que define a vida – pública e privada – das pessoas, mesmo que elas se recusem a admiti-lo publicamente. É apenas com o sexo que Jarosmil, o poeta de A vida está em outro lugar, entra na vida adulta, passa a considerar-se um poeta e, até mesmo, um comunista. A principal consequência da derrocada da Primavera de Praga, para Tomas, é distanciá-lo de Sabine. Mas mesmo após perder o direito de atuar como médico, uma das poucas coisas que não muda são, justamente, suas relações com mulheres que não Tereza. Em Risíveis amores a maioria dos contos orbita ao redor de relacionamentos – quase todos de cunho sexual – que se complicam, alterando as vidas das personagens de modo irreversível – como em Eduardo e Deus, em que o protagonista se converte, falsamente, ao catolicismo para convencer sua namorada (que era católica) a dormir com ele e acaba com problemas por isso, escapando através de uma das relações sexuais mais grotescas (e, por isso, mais poéticas) que Kundera já descreveu.
Em tudo isso, é claro, existe muito de política. Em um universo totalitário – o comunismo tcheco sob a égide soviética – a única coisa que resta às pessoas são seus corpos. E que maneira melhor de explorar um corpo do que através de suas possibilidades sensoriais? E, por mais que o sexo seja extremamente variado de pessoa para pessoa, os sentidos são a maior ferramenta nesses momentos. É como se o corpo humano, em seus momentos mais íntimos, ainda que compartilhados, fossem a última coisa que pertence ao indivíduo, a única coisa sobre a qual o Estado não consegue ter poder. Poderia-se, igualmente, utilizar a defecação para tal. Isso acontece em alguns outros autores, como o compatriota de Kundera, Bohumil Hrabal.
Mas o sexo não é uma atividade individual – pelo menos não sempre. Sendo assim é uma forma de relação entre o eu e o outro e, também nisso, Kundera o utiliza como forma de subversão: ao pregar a leveza nas relações, ele liberta seus personagens da normatividade imposta pela sociedade (não apenas a do comunismo), e eleva questionamentos a respeito do porquê pensarmos e fazermos as coisas como as fazemos. O que importa realmente em um relacionamento? Acredito que o conto O pomo de ouro do eterno desejo ilustra isso bastante bem: um amigo do narrador é casado e nunca dormiria com uma mulher que não a sua esposa, mas não consegue – de modo algum – escapar à conquista, sentido necessidade de flertar e cortejar o máximo de mulheres bonitas que puder.
Enfim, o sexo me parece algo central na literatura de Kundera. Não como parte de histórias de amor, nem como erotismo – mas como subversão. Ao escrever sobre sexo, ao relatar as relações de suas personagens ele não fala sobre perversão ou luxúria, mas sim sobre liberdade. A liberdade de se ser o dono do próprio corpo, ser consciente disso e utilizá-lo como tal, a despeito de restrições que possam ser impostas pela sociedade, pelo estado ou por qualquer outra força externa a si mesmo. É ainda um modo – um tanto egoísta – de apreensão do outro.
Eu vou pegar para ler “O Insustentável Leveza de Ser” esse mês ainda, estou bem curiosa, pois ouvi ótimas recomendações no meia e depois desse texto fiquei com mais vontade ainda.
Eu acredito que as pessoas levam muito a sério os relacionamentos, por exemplo, agora no dia dos namorados, parece que se vc não está no status:namorando ou afins é um perdedor. Então, há pessoas que chegam ao cúmulo de ficar com alguém só para não passar o dia sozinhos!?!?!?!?!
Penso que seja influencia da mídia tb.
Outra coisa é o sexo, eu acho que é super valorizado .Então, cria aquele expectativa enooooooorme nos adolescentes os quais estão iniciando a vida sexual cada vez mais cedo para viver essa sensação gloriosa e acabam se decepcionando, os pias correm o risco de ficarem ansiosos e brocharem e as meninas não chegam ao orgasmo. Conclusão, começa as neuras sobre o sexo para descobrir o que estão fazendo de errado, e o erro, na minha opinião é porque nada está acontecendo naturalmente.
Vc captou muito bem essa relação entre sexo e liberdade, que eu intuía nos livros do Kundera, mas não sabia como nomear.
Gostei muito das suas resenhas. Você tem um Kindle ou utiliza o kindle no iPhone ou em outro sistema? Gostaria te de mandar um livro meu. Em caso positivo, me passe seu email que eu te envio o livro.
Obrigado,
Ronaldo
britoroque@gmail.com
Talvez seja essa ênfase no sexo, infelizmente, que afaste o já octogenário Kundera da lista dos possíveis ganhadores do Nobel de literatura, assim como ocorre com o respectivo amigo americano, Philip Roth. Ambos mereciam, indiscutivelmente, o galardão! Afinal, aquela instituição sueca já premiou tantas insignificâncias – pouco ou nada lembradas hoje em dia -, principalmente nas primeiras décadas do século XX … Tolstoi, Proust, Woolf, Joyce e outros estão em boa companhia!
Luciano, procurando sobre literatura na internet acabei me dando com seus textos, o que achei curioso, dado seu interesse pela literatura eslava / centro-europeia. Meu mestrado será muito possivelmente sobre o tema, já que me envolve tanto, e minha monografia pretende buscar na literatura de guerra – a qual eu julgo como expoente Kundera – uma forma de compreender alguns movimentos históricos. Bem, e daí? Lendo seus textos, encontrados bem ao acaso mesmo, me deu uma vontade de conversar sobre Kundera e mesmo outros autores, já que também gosta tanto do tema. Se não for um extremo incômodo, adoraria que entrasse em contato. Creio que podemos trocar boas ideias. E bem, também estou na minha segunda graduação, embora a primeira não tenha sido em matemática, e a segunda seja em Relações Internacionais. Até quem sabe, breve?