Se você for perguntado sobre quando aprendeu a ler, provavelmente responderá que foi na infância, isso se você teve a oportunidade de estudar desde cedo. Na escola, as primeiras palavras vão sendo formadas, lidas “de soquinho” e logo se transformam em frases. Aos poucos, somos apresentados aos livros. Contudo, o hábito e gosto por literatura começa de um jeito diferente e bem mais específico em cada pessoa. Esse assunto já foi bastante discutido aqui no blog: Às vezes, surge por influência de professores, ou por pura curiosidade. Em muitos casos, um empurrão da família é fundamental. Eu, por exemplo, contei com bastante estímulo da minha tia, que me deu vários dos meus “primeiros livros favoritos” e conversava horas comigo sobre eles. Já o David, personagem principal de O livro das coisas perdidas, aprendeu a amar a literatura através da mãe.

O elo entre David e sua mãe, que não tem um nome apresentado no livro, é o elemento principal nessa narrativa, que se passa na época da Segunda Guerra Mundial na Inglaterra. Logo no primeiro capítulo vemos a mãe do menino ensinando-o sobre os livros e a importância da literatura. Ao decorrer da história, David vê a mãe morrer, tomada por uma doença. Logo após sua morte, seu pai acaba se casando com a enfermeira que cuidou dela, Rose, que engravida. Ao se mudarem para casa da mulher, o menino começa a ter ataques, ver e ouvir coisas. Livros que então pertenciam a Jonathan Tulvey, um membro da família de Rose que desapareceu anos antes, começam a emitir sons chamando por David.

Uma noite, David vai até um Jardim, ouvindo a voz de sua mãe, e acaba encontrando uma passagem para um novo mundo, o das histórias.  A partir desse ponto, os contos de fadas ganham uma nova interpretação, algumas bastante violentas. O livro mistura uma escrita simples e em alguns momentos até ingênua, com trechos sádicos, sangrentos e eróticos. O capítulo que mais chama atenção, nesse sentido, é o da menina-bambi, em que David se depara com uma garotinha em corpo de alce.

Se, por um lado, a sensação inicial que tive foi a de que o livro não é exatamente uma novidade, lembrando bastante, por exemplo, Onde  vivem os monstros e Alice no País das Maravilhas, por outro consegui ver que  John Connolly vai mostrando seu próprio estilo ao longo das páginas. Personagens como Rolando, um soldado que segue caminho com David durante parte da história, mostram que o autor é ousado a debater temas como a homossexualidade. Ao mesmo tempo, também nos deparamos com os sete anões em uma versão comunista, revelando um toque de humor na narrativa. Por mais que os contos de fadas sejam transformados para o livro, o autor consegue manter a estrutura primordial deles. Outro personagem que não poderia deixar de ser citado é o Homem Torto, o “vilão” da obra.

Por fim, no início desse texto, eu falei sobre a infância e sobre como aprendi a gostar de ler. O livro das coisas perdidas, de alguma forma, retoma muitas lembranças da infância. Quando terminei de lê-lo, entendi e senti exatamente o que dizia a dedicatória em sua abertura: “em cada adulto mora a criança de outrora, e em cada criança há o adulto que ela será.” Fico com a sensação que esse livro vai me revisitar muitas vezes daqui pra frente, pois vou lembrar dele em diferentes conversas e situações, até que, um dia, vou ouvir a sua voz me chamando para uma nova leitura.

O livro das coisas perdidas

Autor: John Connolly

Tradução: Cecília Prada

Editora: Bertrand Brasil

Páginas: 364

Preço sugerido: R$ 39,00

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