Acompanhar reedições costuma ser interessante. Às vezes, elas ocorrem pela mudança de casa editorial; às vezes, pela necessidade de adequação à nova ortografia; e, outras ainda, pela padronização do projeto gráfico, que gradativamente se tornou característico daquele autor. Muitas vezes, no entanto, a modernizada no visual tem como objetivo relembrar a importância de um autor e tornar fácil o acesso à sua obra, antes esgotada em livrarias. Se a repaginada for eficaz, a edição consegue dialogar com um público novo e com o mais antigo, que ou (1) queria adquirir a obra, mas não a encontrava em lugar algum, ou (2) já a possuía, mas achou os “bônus” da nova edição particularmente atrativos.

Creio que este tenha sido o caso da reedição da obra de Otto Lara Resende pela Companhia das Letras, iniciada em novembro de 2011. As capas, de responsabilidade de Mariana Lara, são algo icônicas; têm aquela “simplicidade” e aquela “naturalidade” (haja aspas…) das capas que se valem exclusivamente de elementos tipográficos. Equiparam-se a outras capas utilizadas na mesma editora, como as de Raul Loureiro para a obra de Chico Buarque ou as de João Baptista da Costa Aguiar para a coleção Jornalismo Literário. Interessante observar como o estilo do parágrafo (que aos poucos vai se desvanecendo, se dissipando, se esvaecendo, desmaiando, desbotando, perdendo a cor…) dá coesão às capas dos livros já reeditados – Bom dia para nascer (crônicas), O Rio é tão longe (correspondência) e A testemunha silenciosa (duas novelas) – mesmo que as fontes utilizadas sejam bem diferentes – a do primeiro é serifada, a do segundo não tem serifa e a do último é mais elegante (lembra um pouco a Futura, a Gill Sans e a usada na capa nova de Cosmópolis, mas não é nenhuma delas; só sei que me atraiu bastante).

Uma comparação entre a edição anterior e a nova

A mesma simplicidade – daquelas que parecem naturais, mas são difíceis de produzir – é encontrada na linguagem de A testemunha silenciosa, a primeira das novelas do volume, que é seguida por A cilada. O narrador é um menino que têm de lidar com muitas coisas em um razoavelmente curto período de tempo: problemas na escola, uma revolução que se aproxima, um carneirinho prometido (mas nunca recebido), um sino de igreja, um casamento e… o testemunho de um assassinato. Nesse sentido, o projeto gráfico da capa não poderia ser mais adequado à novela: o emudecimento e a escondedura (sim, a palavra existe, acabei de descobrir) do crime combinam com as frases que gradativamente “somem” na capa.

Depois da leitura, achei particularmente interessante a observação de Cristovão Tezza em seu posfácio (lembra-se dos “bônus” dos quais falei no começo do texto?): “O texto de Otto faz dois grandes deslocamentos: não poetiza o mundo que retrata, atrás de alguma essência oculta, metafísica, que ali pudesse revelar-se para redimir nossa condição; e não politiza as relações humanas, buscando denunciar causas objetivas que tornariam o homem pior do que ele é.” Segundo ele, teria sido uma espécie de inovação na representação literária do Brasil rural. Não li o suficiente obras ambientadas neste para situar historicamente a inovação, mas a verdade é que tais características (ou, melhor, a falta delas, como Tezza aponta) são perceptíveis na novela.

Uma das razões para eu ter escolhido este livro para ler e travar conhecimento com a obra de Otto Lara Resende – além da fonte elegante usada na capa (sou desses) – foi a deste volume ser composto de obras de ficção – não costumo me interessar muito por livros de não ficção. A bela escrita, se não conseguiu me cativar completamente, certamente me influenciou a querer ler outros livros do autor, livros que se situem perto de sua zona de conforto, de sua especialidade, das áreas que o tornaram famoso: crônicas, perfis biográficos e correspondências.

Às vezes temos de abrir mão de nossas preferências pessoais, muitas vezes meio arbitrárias, para conhecermos algo com toda sua força e potencial. Pretendo, assim, deixar de lado meu eventual desinteresse por livros de não ficção e me permitir conhecer um pouco melhor Otto Lara Resende. Parece valer a pena.