Essa semana a Funarte liberou uma série de novos editais. Entre os quais um que contempla 30 bolsas de criação literária no valor de 15 mil reais, distribuídas pelo país e abarcando os gêneros lírico e narrativo. Para acessar o edital, basta clicar aqui,
Parece lindo: quem, dentre as pessoas que escrevem e tem coragem de levar seu material a público, não ia querer ganhar 15 mil reais por escrever? Acho que até alguns amigos meus que não escrevem pensariam em começar. Parece, mas não é. E não é porque o edital é bastante problemático, e já no seu primeiro ponto.
Cito o texto:
1 – DO OBJETO
1.1. Constitui objeto deste edital, fomentar a produção inédita de textos correspondentes aos gêneros lírico e narrativo, a partir da concessão de bolsas para o desenvolvimento de projetos de criação literária na categoria Iniciante, em âmbito nacional.
1.1.2. Entende-se por gênero lírico a criação de poesias.
1.1.3. Entende-se por gênero narrativo a criação de romances, contos, crônicas, e novelas.
1.1.4. Entende-se por iniciante o escritor que possua até 2 (dois) títulos de autoria principal publicados com ISBN.
1.2. Os projetos concorrentes não sofrerão quaisquer restrições quanto à temática abordada dentro da sua categoria, desde que não caracterizem:
a) promoção política de candidatos e/ou partidos;
b) dano à honra, a moral e aos bons costumes de terceiros e da sociedade;
c) pornografia;
d) pedofilia;
e) discriminação de raças e/ou credos;
f) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
g) terrorismo;
h) tráfico de animais
Não vou entrar na questão da definição dos gêneros literários – parece boa, pelos livros do ensino fundamental. Mas ao se ler qualquer bom livro básico de teoria literária, já se pode questioná-las. Falei, porém, que não ia questionar isso: seria um academicismo desnecessário. O ponto 1.2, porém, me perturba profundamente, de modo que é a ele que vou dedicar a maior parte desse texto.
“Não sofrer restrições, desde que“, para mim, é o mesmo que sofrer restrições. Ok, pensemos num órgão governamental e soa justo que exclua expressões partidárias: poderia dar margem a processos no caso da seleção de livros que favoreçam o partido governista, ou o contrário.
Mas, em frente. “Dano à honra, a moral e aos bons costumes de terceiros e da sociedade”. Queimemos, então, os livros de Oscar Wilde, Victor Hugo, Tadeusz Borowski, Charles Baudelaire: à seu tempo, nunca seriam contemplados por um tal edital. O bom e velho Buk, então… Mesmo que estivesse vivo, não poderia inscrever-se: seria jogar dinheiro fora.
E quase todas os outros itens entram no mesmo barco – o que são, se não desdobramentos de coisas que ofendem a moral e os bons costumes? E posso citar exemplos de boa literatura para todos. Para a pornografia temos O olho, de Bataille. Pedofilia? Nabokov e sua Lolita, é claro. Tráfico de drogas? Cidade de Deus. Terrorismo? Os Demônios, de Dostoiévski. Fico devendo um bom exemplo para o tráfico de animais. Alguém há de saber e, gentilmente, postar nos comentários.
A questão do preconceito eu, propositadamente, deixei para o fim. Claro que posso citar alguns bons livros que são preconceituosos. Tenho quase certeza que na minha primeira coluna aqui no Meia Palavra, aliás, eu falei sobre Louis-Ferdinand Céline.
Mas é que o que me interessa agora é uma via oposta: não o que foi escrito no edital, mas o que não está lá. Não se pode ter preconceito com relação a religião ou raça para se participar da seleção. Perfeito: ninguém será contemplado por escrever um livro que ataque negros, índios ou judeus; ninguém será contemplado por um livro que ataque o candomblé. Mas pode-se, quiçá, ser contemplado por misoginia ou homofobia – o edital não inclui, em momento algum, restrições quanto ao preconceito de gênero ou de orientação sexual.
Eu preferiria que não existisse restrição nenhuma: a literatura não pode ser limitada por qualquer tipo de moralidade. Cabe a cada leitor escolher o que ler e o que não ler, por seus critérios pessoais. Mas, no caso de essas restrições existirem, é sintomático o esquecimento de certas coisas, especialmente no momento em que setores mais liberais e mais conservadores da sociedade se digladiam quanto a garantir ou não certos direitos e proteções a mulheres e homossexuais.
é, o governo se coloca entre a cruz e a espada: se por um lado é preciso estimular a criação literária nacional por meio d bolsas, como justificar-se depois como 1 governo ultra politicamente correto se a destinação d qq uma destas cair em 1 livro q d qq forma soe como ofensivo à alguma classe, grupo, gênero etc.
tb sou a favor da liberdade d expressão e q os leitores q selecionem oq fica p posteridade, mas entendo o ponto d vista do governo, já prevendo manifestações e ataques por patrocinar algum tema q ñ o faça parecer bonzinho.
tá certo q se fosse 1 governo inteligente tentaria explicar oq é literatura d qualidade, mesmo tratando d temas polêmicos (e mtas vezes por causa disso é d qualidade). mas ser inteligente hj é tão cansativo… dá menos trabalho ser censor.
Mas eles não apresentaram nenhuma restrição quanto aos livros se mostrarem ofensivos a algum gênero. Este é um dos maiores problemas.
E o problema maior, creio, não é do governo e sim da sociedade – que, você mesmo diz – precisa ser ‘aplacada’: o edital é para servir a uma sociedade que não quer ver seus preconceitos e suas merdas expostos. E que não liga para um monte de coisas. Não é a imagem do governo em jogo, mas a da sociedade.
É o bundamolismo de nossa época agora no formato edital. Bem ao gosto dos ofendidinhos de plantão que farejam transgressões em se chamar puta de puta ou ladão de ladrão.
Pior né? Daqui a pouco vai ter gente achando que é ruim ser ‘puta’. Uma profissão tão digna quanto qualquer outra.
E ladrão então? Deve ser divertidíssimo. O problema é que toda criança ia querer roubar, se falassem como as coisas realmente são!
um complemento ao post lá na biblioteca de raquel >> http://abibliotecaderaquel.blogfolha.uol.com.br/2012/06/24/ha-limites-para-a-tematica-literaria/
o Post da Raquel falou tudo, a questão é legal…o governo não pode financiar algo que seja considerado crime pelo Código Penal, como “A resposta a isso era imaginável, e, questionada, a Biblioteca Nacional confirmou a suspeita. A intenção era esclarecer que serão inabilitadas obras que façam apologia à pedofilia, à discriminação, ao tráfico de drogas e aos outros itens listados” (citação do blog da Raquel).
Quanto ao preconceito ao homossexual, é considerado crime contra a honra, e estaria enquadrado na alínea B.
Entendo o questionamento, e o edital foi mal redigido, mas meu lado advogada não podia deixar de apontar isso…
Luciano,
não conheço história de livro que tenha sido barrado por conta disso. Pelo contrário. Meu amigo fez um romance com muito, muito sexo há um tempo, quando a bolsa era, se não me engano, de 30 mil. Eu acho que é um projeto chutado como quase todos os outros. Imagine que um dos pontos do edital diz que algum fiscal pode fazer uma visita para o selecionado. Sabe quando um funcionário desses viajaria só para ver como andam as coisas? Acho muito improvável.
Estou tentando concorrer à bolsa mas não sei como fazer o projeto e se o caderno com os textos precisa ser inédito.
Pelo certo não precisa pois não falam nada sobre isso.
Pretenco concorrer com poesias. Nesse caderno coloco um por página?
Me ajude. Está em ciam da hora e o meu tempo é curtíssimo.
Desde já agradeço