Da minha leitura de Moby Dick, de Herman Melville, há cerca de dez anos, algumas impressões ainda restam: a de que foi uma experiência prazerosa; a de que eu ainda tinha muito a aprender antes de me aventurar a reler o livro; e a de que eu estava definitivamente lendo um clássico. O maior aprendizado foi, contudo, uma percepção mais clara da necessidade de uma leitura com perspectiva histórica. Isso porque, se o romance fosse lido como uma narrativa ambientada no mundo contemporâneo, a matança de baleias nele descrita possivelmente chocaria os mais politicamente corretos.

Pawana – conto de J. M. G. Le Clézio, autor franco-mauriciano – apresenta dois pontos de vista em uma narrativa de cunho verídico: o do capitão Charles Melville Scammon (segundo o autor, alguém que realmente existiu) e o do jovem marinheiro John, de Nantucket. O autor parece não querer desperdiçar nenhuma oportunidade de diálogo com o clássico citado: o sobrenome do capitão, Melville, é igual ao do autor de Moby Dick; Nantucket já havia sido imortalizada neste romance; o título significa baleia em nattick, língua indígena, assim com o outro livro é intitulado com o nome de um famoso cetáceo; e a estrutura dual lembra muito o contraponto que há entre aquele que somos convidados a chamar de Ismael e o capitão Ahab, que busca desvairadamente uma baleia branca.

No entanto, a lenda que se persegue em Pawana é de natureza diferente: seria “um lugar secreto aonde as baleias vão parir seus filhotes, aonde as fêmeas velhas voltam para morrer”. E por ser um lugar, algo fixo (ao contrário do animal que dá título à obra de Melville), para ele não há escapatória após descoberto. A primeira reflexão do capitão “Íamos voltar imensamente ricos, essa devia ser nossa última aventura” é, depois, substituída por outra, mais melancólica: “Lembro-me do olhar do garoto que estava com a gente, que me encarava com uma pergunta sem resposta. Hoje eu sei que pergunta era essa, a explicação que ele me pedia: como alguém pode matar o que ama?”.

O ganhador do Nobel de Literatura em 2008 apresenta ao leitor uma variação do tema “homem versus natureza”, tão bem explorado em Moby Dick, com uma pequena diferença: o que acontece quando não se está narrando, realmente, a última aventura de um homem? Em certa medida, costumamos torcer para que os protagonistas dos romances que lemos consigam alcançar seus objetivos – eu creio que torcia por Ahab antes de começar minha leitura, pelo menos. O que acontece depois que o primeiro homem é bem sucedido em um projeto semelhante? O que acontece quando um segredo é quebrado?

“Fomos os primeiros. Se não fôssemos nós, outros não encontrariam finalmente a entrada desse paraíso, a passagem para a laguna onde as baleias vinham ao mundo? Como se pode destruir um segredo?”

Mais do que sobre uma questão ambiental, esta é uma obra que nos faz refletir sobre como temos guardado o que temos de mais precioso.