Na última sexta-feira aconteceu uma das coisas politicamente mais assustadoras dos últimos anos, na América Latina: o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo. Não planejo entrar nos méritos ou deméritos de Lugo: o fato é que tudo foi rápido demais e fácil demais para que as coisas estejam certas. Ainda mais quando o que aconteceu coloca no poder forças políticas claramente aliadas ao partido Colorado – o partido que governou o país por mais de 60 anos, inclusive durante a ditadura militar de Stroessner, só saindo do poder com a eleição de Lugo, em 2008. Ainda mais quando a justificativa é o latifúndio.

E o que diabos a literatura (o assunto principal do Meia-Palavra) tem com isso? Claro que toda crise rende inúmeras obras literárias. É so procurar ‘holocausto’ ou ‘segunda guerra mundial’ aqui no Meia Palavra que isso se tornará visível. Imre Kertész, Laurent Binet, Elie Wiesel, Solzhenitsyn…

Na América Latina isso não é diferente. Existem inúmeras obras que lidam com as ditaduras que aconteceram por aqui. Boa parte da literatura uruguaia dos anos 1980 parece voltar-se para esse tema. No Paraguai existem até testemunhos de campos de concentração (sim, eles existiram na América do Sul). Além dos testemunhos propriamente ditos, existe uma infinidade de obras ficcionais, algumas até mesmo de cunho mais metafórico, a esse respeito. Eis aí a literatura tentando proteger, de alguma maneira,  valores democráticos e, porque não, a vida humana: tenta lembrar os terrores que se passaram, quiçá como um alerta.

Quando eu falo desses temores, expresso coisas baseadas em convicções pessoais. Coisas que eu acredito ou deixo de acreditar. Mas acho que algo pode ser extraído disso tudo: a literatura falhou.

Pois nem toda essa literatura pode impedir o que aconteceu, essa possível volta do partido Colorado ao poder. Da mesma maneira, a existência das obras de Elie Wiesel não serve para que a Europa repudie a xenofobia. A voz de Amós Oz pela paz, não impede que a opressão aos palestinos continue, diariamente. Os inúmeros livros que retratam a opressão da mulher não impedem que a sociedade continue a ser machista. E por aí afora.

Para que, então, ler esses testemunhos? Para que, então, ler coisas que não são agradáveis? Para que lembrar, se não serve de nada?

Não sei. Mesmo. Mas, talvez, para algo sirva. Gustaw Herling-Grudzinski, escritor polonês que esteve nos campos stalinistas, leu Dostoiévski. De algum modo a leitura da experiência do gigante russo nos campos tsaristas se relaciona com o fato de Grudzinski ter escrito seu próprio testemunho. Isso ainda não me faz ver qualquer potencia na literatura. Mas me dá um mínimo de alento (talvez todo que eu possa obter) pensar que, ao menos no plano da memória e da ficção, esses sofrimentos não são de todo vãos (o que, para mim, continua igualmente triste).