Personalidade muito ativa no cenário literário brasileiro a partir da década de 1940, José Paulo Paes (1926-1998) se consolidou como poeta e tradutor de extrema relevância mesmo sem ter se ligado a qualquer grupo. Digo isso porque é notável que Paes viveu épocas em que a participação em algum grupo de vanguarda parecia ser fator necessário para se tornar um poeta. Ainda que estivesse próximo esteticamente dos poetas da Geração de 45 e depois dos concretistas, nunca deixou de se mostrar como um indivíduo que tinha seus próprios interesses e que se situava entre antigos e modernos, variedade essa presente em sua poesia e na escolha de suas traduções.

É muito interessante, portanto, acompanharmos todo o trajeto poético de Paes em um volume como Poesia completa (2008), publicado pela Companhia das Letras. Muitos conhecem seus poemas mais destacados em antologias, inclusive presentes em vestibulares, além de suas várias traduções, porém acredito que a edição que aqui resenho nos expõe mais declaradamente a variedade de sua arte. Ao seu modo, o autor parece ter vivido um pouco de tudo que tivemos no Brasil em relação à literatura ao longo de muitas décadas. Acredito que uma análise das traduções que fez ao longo desses anos também poderia nos mostrá-lo em toda sua diversidade. A apresentação feita por Rodrigo Naves para essa edição já fornece ao leitor noções desse percurso bem como da biografia do poeta.

Muitas vezes se espera na leitura de compilações com a obra completa de um autor que haja poemas talvez imaturos, menos lidos pelo público em geral e às vezes presentes em suas primeiras publicações. No caso de Paes, percebe-se desde O aluno (1947) que sua poesia é rica e merece ser divulgada. Um poema como “Muriliana”, referente a Murilo Mendes, é bom exemplo disso:

Corto a cidade, as máquinas e o sonho

Do jornaleiro preso no crepúsculo.

Guardo as amadas no bolso do casaco.

Almoço bem pertinho do arco-íris,

Planto violetas na face do operário.

Conversando com anjos e demônios.

É o meu anúncio quem dirige as nuvens.

Ainda que tenhamos um texto muito semelhante aos de outros da mesma geração, como Carlos Drummond de Andrade, acredito que é relevante a própria referência a Murilo Mendes, autor muito diverso e também, de certo modo, não ligado a nenhuma estética em especial. O tom é mais coloquial, longe de parnasianismos, porém a realidade imitada é absurda, surreal, realmente muito próxima do imaginário muriliano.

O diálogo de Paes com a tradição e o passado se faz a todo tempo, como se nota em suas traduções, porém isso também está presente em suas obras, mais claramente em Novas cartas chilenas (1954), que nos lembra das Cartas chilenas (1789), de Tomás Antônio Gonzaga. O poeta árcade nos seus poemas-cartas traça o perfil do governo autoritário de Vila Rica no período anterior à Inconfidência Mineira, sendo textos, portanto, que criticam uma realidade social e política. Paes em sua versão não tenta fazer o mesmo com um político de sua época, mas sim fazer um retrato crítico da nossa história desde a chegada das naus portuguesas até o pós-guerra.

Conhecido por seu humor, o poeta não deixa de trabalhar com esses temas de forma bem-humorada, oferecendo-nos novas perspectivas da história. A paródia de trechos de textos canônicos se torna aí quase que inevitável, como na imitação da carta de Pero Vaz de Caminha em “A mão-de-obra”, que já nos indica o futuro escravagista da colônia brasileira:

São bons de porte e finos de feição

E logo sabem o que se lhes ensina,

Mas têm o grave defeito de ser livres.

Esse tipo de crítica social bem marcada é característica da maior parte da produção posterior do poeta, esquerdista e ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) por certo tempo. Mesmo esse vínculo partidário seria por ele parodiado em seguida em poemas como “Pavloviana”, presentes em Anatomias (1967), obra que representa a consolidação do viés concreto de Paes. Muitos de seus poemas mais divulgados vêm dessa obra, de Meia palavra (1973), Resíduo (1980) e A poesia está morta mas juro que não fui eu (1988), todas cheias de textos que exploram graficamente as páginas do livro e de poemas visuais, constituídos de imagens do cotidiano da publicidade ou até de imitações de sinalização de trânsito.

Apesar desse seu viés vanguardista, temos poemas que dialogam com o passado, como alguns disponíveis em Meia palavra, título que, além de ser o mesmo de nosso blog, nos remete a ideia de uma poesia concisa, sintética, ao gosto concretista. Dentre esses, temos “Canção do exílio facilitada” e “Minicantiga d’amigo”:

lá?

ah!

 

sabiá…

papá…

maná…

sofá…

sinhá…

 

cá?

bah!

 

coyta

 

 

coyto

Em ambos os poemas se utiliza o vocabulário da literatura parodiada, como a “coyta” (“sofrimento por amor”, no galego-português) do Trovadorismo e “maná”, “sabiá” e “sinhá”, palavras características tanto do poema de Gonçalves Dias quanto do léxico brasileiro do século XIX. Ainda que vivesse seu tempo, Paes parece ser alguém que nunca deixou de buscar no passado tudo o que lhe era semelhante.

Sempre apaixonado por sua Dora, presente em seus poemas desde cedo, o poeta mais já na década de 1990 acabou por se afastar de sua estética anterior e voltar-se para uma poesia intimista, nostálgica. Referências a cidades, amigos e escritores são várias, até a hora que a própria morte toma conta de tudo até seu último texto, intitulado “Dúvida”, presente em Socráticas (2001), publicação póstuma:

Não há nada mais triste

do que um cão em guarda

ao cadáver de seu dono.

 

Eu não tenho cão.

Será que ainda estou vivo?

Uma figura não muito afeita a grandes eventos, muito humilde em relação a sua obra, terminou ainda com dúvidas sobre sua própria existência. Impossível divagar mais sob a extensa e diversa obra de Paes, o que demandaria muito mais do que esta simples resenha, mas o leitor já tem noção agora de seu trabalho. Porém, pela leitura de Poesia completa é possível dizer que certamente, em relação à poesia, José Paulo Paes ainda é muito significativo para nossa literatura.