As eleições trouxeram ressaca ao Rio de Janeiro e a ultima semana do maior Festival de Cinema do país começou em ritmo lento. Na segunda-feira, não vi nenhum filme (desculpa, meu editor!). Já na terça, compensando o dia anterior perdido, fui a dois filmes nacionais:

Às 17hs: Colegas, de Marcelo Galvão

Estrelado pelos jovens do documentário Do Luto à Luta (2005), de Evaldo Mocarzel, sobre portadores de Síndrome de Down, essa ficção de Marcelo Galvão acompanha três amigos que fogem do instituto em que vivem e partem em busca dos seus sonhos – o de um é voar, de outro é ver o mar e o da menina é casar.

Filme doce e engraçado, especialmente porque o trio se comunica, basicamente, apenas com diálogos de clássicos do Cinema, o que leva o espectador à brincadeira de descobrir de que filme é a fala. As referências vão desde a cena de a corrida de Jules e Jim (1962) até o Carpe Diem de Sociedade dos Poetas Mortos (1989), de “show me the moneeey!” de Jerry Maguire (1996) às famosas nacionais de Cidade de Deus (2001) e Tropa de Elite (2007), além de outras tantas, incluindo Scarface (1983), O Silêncio dos Inocentes (1991) e até Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Mas meu coração apertou e uma lágrima ameaçou cair quando o protagonista, Stallone (sim, seu nome veio do ator), acorda Clara com a famosa frase de A Vida é Bela (1997): Buon giorno, principessa! – Explico: tenho uma prima com Síndrome de Down, Renata, com quem morei durante anos e até poucos meses na imensa e bucólica casa de minha família, em São Paulo. Como se não bastasse o filme sobre os jovens Downs aumentar a saudade que sinto dela, essa referência específica era exatamente como eu, cinéfilo inveterado, a chamava todas as manhãs, na hora do café. Todo dia, eu dizia: Buon giorno, principessa! – e ela, mais engraçada, impossível, respondia: Buon giorno, principesso!

Dedico essa postagem a ela, Renata, prima amada e muito especial, mia cara principessa! Saudades…

Enxugando as lágrimas e voltando a Colegas, o filme divertiu a plateia (e é fundamental que você tenha base fílmica para rir das piadas) e encanta pela bonita intenção. Realmente é um projeto que nos faltava, em tempos de acessibilidade e inclusão, e foi feito com muita qualidade por Marcelo. A obra ganhou o Kikito de Melhor Filme no último Festival de Gramado, o que talvez tenha sido um pouco exagerado, já que competia com obras de evidente maior qualidade, como Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Tô Fazendo Com a Minha Vida, de Matheus Souza, mas certamente merece aplausos no fim da sessão.

Às 19hs: Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle

Partindo do mesmo fio que direciona o documentário O Dia que Durou 21 anos, de Camilo Tavares, também apresentado nesse Festival – e que fiz a crítica na Rapidinha #4 –, a investigação documental de Fontenelle se sobressai ao ir além. De fato, o filme vai às ultimas consequências na investigação dos eventos pós-deposição do Presidente João Goulart, pelo Golpe Militar de 1964 que contou com o apoio do governo americano. A figura de Jango construída pelo doc, assim como no filme de Camilo Tavares, é a de um homem comprometido com sua função política,  que lutou pela emancipação brasileira da servidão a que estávamos submetidos, e que sonhava com reformas de base que alavancariam o país. O resultado foi a deposição, depois de meses tendo sua imagem deturpada por uma imprensa comprada, a acusação de Comunismo (só porque foi visionário ao enxergar, ainda nos anos 60, que a China seria um país importante, e fazer uma visita de negócios ao país de Mao), o exílio no Uruguai e a morte em condições suspeitas.

Metade do documentário – que mesmo sendo mais intrigante, certamente mais polêmico, não é tão bem acabado quando o filme de Camilo – destina-se a questionar a versão oficial de que o presidente morreu de um ataque cardíaco. Através de depoimentos de políticos, familiares e até de envolvidos na espionagem de Jango, retoma-se a hipótese de morte por envenenamento, numa operação que envolveu o governo americano (sempre eles).

Tema polêmico e importante para nossa história. Não sei se eu estava particularmente sensível no dia, mas também me emocionei com esse filme, especialmente com a dura e verdadeira frase de um procurador argentino (país que deveria nos servir de exemplo pela forma como julga seus criminosos dos anos negros), que avisa que: “A História mostra que um país que encoberta seus erros do passado invariavelmente recorre aos mesmos erros anos depois”. Nós, brasileiros de hoje e de amanhã, queremos isto?