Em junho de 1991, a pequena editora Marco Zero lançava sua edição brasileira de Trout fishing in America, romance publicado pelo americano Richard Brautigan (1935-1984) em 1967. O título escolhido pelo tradutor, o romancista José J. Veiga, foi Pescar truta na América, que, assim como a edição americana, é seguido pelo subtítulo “Romance”, provavelmente com o fim de esclarecer que se trata de uma obra literária, não de um manual de pesca.

Apesar de mal ser conhecido no Brasil, ainda que tenha sido traduzido, Brautigan teve grande fama entre as décadas de 1960 e 1970, tanto por seus romances quanto por seus poemas. As razões para isso podem ser várias: da vinculação de sua literatura à persona do autor, ligado à contracultura americana, até a linguagem coloquial e irônica de suas obras, semelhante aos romances de Kurt Vonnegut. Brautigan também é sempre associado aos beats, mas a única relação entre eles era o fato de estarem na mesma cidade. Pescar truta na América, sua obra mais conhecida, serve também como prova em uma leitura comparada de que ele não se encontra tão próximo quanto se imagina de Allen Ginsberg ou Jack Kerouac.

Pescar truta na América certamente não é um romance comum nem austero: é metaliterário e irônico como muitas obras pós-modernas americanas de sua época. Não busca necessariamente contar uma história no sentido tradicional ou explicar ao leitor tudo o que se espera dele. O romance é construído, na verdade, com capítulos curtos que parecem ser histórias independentes, ainda que com a constante presença de trutas e de um elemento fantástico chamado Pescar Truta na América, assim como o livro. Seria uma personagem? Uma entidade? O livro propriamente dito? Deixo para que você, leitor, interprete sozinho.

Em vez de qualquer esclarecimento sobre a obra ou o enredo que parece extremamente irônico desde a abertura do livro, temos uma paródia da informação: logo na folha de rosto nos chama atenção para uma informação óbvia que nos remete a placas de trânsito (de uma viagem imaginária para pescar): “Bem-vindo! Você está a poucas páginas de distância de Pescar Truta na América”. Há muitas peculiaridades na edição da obra de Brautigan, que também foram adotadas na tradução brasileira. Temos desde o cumprimento inicial na folha de rosto até a presença de uma foto na capa que é a todo tempo referenciada no texto do romance, especialmente no primeiro capítulo, intitulado “A capa de Pescar Truta na América”. O objetivo do narrador parece mais confundir e enganar do que esclarecer qualquer coisa.

Ainda que seja um romance curto, de apenas 177 páginas na tradução, Pescar truta na América parece ser uma obra muito difícil de ser sintetizada. Trata-se de uma experiência literária muito própria de sua época, mas ainda assim uma leitura interessante no século XXI. A excelente tradução de José J. Veiga só contribui para que o leitor se divirta com uma obra aparentemente simplória, mas que é na realidade muito bem pensada.