Dois octogenários e uma casa. A vida que logo se tornará morte e os últimos momentos de um casal unido já há inimagináveis anos. Amour é invadir a intimidade do casal Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), tal qual simbolizada pelos bombeiros que arrombam a porta da maison logo na primeira cena do filme. Amour é a experiência de abraçar o drama da finitude humana, mas não apenas isso, também é experimentar o amargo gosto da degradação paulatina, que chega como um esquecimento momentâneo e se torna mais grave, mais recorrente, vira dor, leva às lágrimas e faz com que percamos consciência de nós mesmos e fiquemos reduzidos a estertores guturais.

Amour é dor, e não seria o mesmo Amour se não fosse pela mão precisa de Michael Haneke – atualmente o mais prestigiado diretor europeu em Hollywood, o alemão por trás de A Professora de Piano (2001), Caché (2005) e do visceral A Fita Branca (2009). Nunca pesado, nunca superdramático, Haneke conduz sua fita pacientemente, num ritmo raro ao Cinema atual, nos deixando familiarizados com o ambiente – um antigo apartamento parisiense, de onde sai apenas em uma ou duas cenas – e nos surpreende justamente com o que deveria nos ser mais conhecido: a penosa caminhada humana rumo à morte.

Quem nunca sofreu com um parente doente? Quem nunca imaginou como será sua própria morte ou, especialmente, se terá alguém ao lado do leito final? Embora palpável, a inevitável crueza do fim, quando posta diante de nós numa tela gigante, aflora a angústia e traz à consciência a direção sombria para onde todos seguimos nessa vida.

Mas Haneke é delicado, e belo, e demonstra respeito pela condição humana – apesar das transloucadas acusações de misoginia e crueldade que recebeu. Para fazer seu filme-poesia, seu filme-beleza, teve à disposição dois atores ideais, precisos em suas atuações: Emmanuelle Riva, que vem conquistando a crítica internacional e foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz; e Jean-Louis Trintignant, conhecido pelo seu premiado personagem em Z (1969), filme político do grego Costa Gravas.

O Amour de Haneke vem despontando como a obra prima do ano e merecidamente levou a Palme D’or no último festival de Cannes e o Globo de Ouro de Melhor Estrangeiro no último treze de janeiro. Ao Oscar 2013, recebeu cinco indicações, incluindo Melhor Filme, além do presumivelmente já garantido prêmio de Melhor Estrangeiro. Se a surpresa positiva da Academia foi a indicação de Riva na categoria de Atriz, a negativa foi a completa obliteração de Trintignant na de Ator, que conduz a fita com sensibilidade reluzente e até mesmo (pasmem) vitalidade.

Mas prêmios não são necessários para atestar a retumbante qualidade desse trabalho. Um filme onde roteiro, atuações e direção se fundem em pura sensibilidade, criando a atmosfera perfeita para que o espectador que se entregar a essa obra saia da sessão arrebatado, emocionado, enfim, apaixonado.