Ao sair da sessão de Holy Motors, é difícil que um espectador não pare por um segundo e se indague: o que foi isso que eu acabei de ver?

Como entender esse filme? Como defini-lo ou criticá-lo? Como compreender uma série quase desconexa de esquetes insanos, que se apropria de diversas técnicas cinematográficas, brinca com estilo e fotografia e faz de seu protagonista um camaleão soberbo?

Não importa o quanto se reflita, parece que só podemos concluir que, em sua essência, esse não é um filme que quer ser compreendido, muito menos definido.

Senhor Oscar, um homem de meia idade, sai de sua mansão preenchida por seguranças e entra em sua limusine branca, aparentemente partindo para mais um enfadonho dia de trabalho. Logo, dentro do carro, se transveste de idosa e chega a uma praça de Paris, onde mendiga por certo tempo. Ao voltar à limusine-camarim, recebe uma outra tarefa e segue o mesmo ritual: transveste-se de outro personagem, enquanto é levado ao local de mais um trabalho insensato. No fim do expediente, ele desempenhou a mais estranha combinação de papeis, mais de meia dúzia de personas diferentes, passando por situações das mais surreais.

Se aqui cabe um neologismo – e acho que dentro de uma crítica de um filme tão avant garde quanto esse, isso me é permitido –, Holy Motors é um grande exercício cinemágico: tanto de Cinema quanto dramatúrgico, indo aos extremos das experimentações e exigindo o máximo esforço sensível de seu protagonista (um assombroso Denis Lavant, ator recorrente do diretor) e, sobretudo, de seu público.

Superficialmente, podemos considerar este como um filme sobre o Cinema, contudo, fugindo de qualquer clichê, o diretor Leos Carax nos apresenta uma obra metalinguística lisérgica, improvável e indiscutivelmente criativa.

Ora com momentos de inegável genialidade – como a assustadora corrida do Sr. Oscar, transformado em Le Mediante, pelas alamedas de um cemitério, arrancando e comendo as flores dos túmulos, até encontrar Eva Mendes, o arquétipo da Musa –, ora com cenas perturbadoras e aparentemente desnecessárias – como a “conversa” entre limusines no fim do filme –, Holy Motors certamente altera paradigmas do Cinema dell’Arte e ousa até o limite do inteligível.

Esse turbilhão leva o espectador, a certa altura, a uma encruzilhada: desistir do esforço sensível e intelectual que é acompanhar esse tour de force estilístico  e sair da sala aborrecido, ou abandonar-se à loucura de seus criadores, entregando-se ao filme com os sentidos (e nunca com a razão).

Considerado o melhor filme do ano pela toda-poderosa revista Cahiers Du Cinema – certamente eles não viram Febre do Rato, de Claudio Assis –; à parte dos distratos e elogios exagerados, é inegável que Carax (e Levant, motriz do filme) construiu uma grande obra, que mesmo incompreensível em sua loucura e novidade, certamente se sagrará como uma das mais inventivas de nosso tempo.  

(Post dedicado a Julia Osthoff, “pour la beauté du geste”).