Há algumas semanas, ao acessar o fórum Valinor, como faço, religiosamente, todos os dias, me deparei com uma mensagem da Anica no perfil. A mensagem era composta por um link e uma frase, mais ou menos assim: “ei, vc toparia escrever algo sobre o q esse cara disse aqui para o Meia? hum hum?” Abri o link rapidamente, li e respondi na hora: “Só se eu puder usar o título ‘Deformadores de opinião’”. Ela sorriu e disse que eu poderia usar o título. Entretanto, como ando meio atarefada, acabei não escrevendo o texto no calor do momento. Acabei deixando que o meu lado fã se acalmasse para que eu pudesse absorver a coisa toda.
Contudo, acredito que a Anica tenha pedido para que eu falasse sobre a declaração do Peter Greenaway justamente pelo fato de eu estar emocionalmente ligada às sagas criticadas pelo cineasta; pela minha fama de impulsiva, e pela minha consciência de que fã é uma praga. A declaração dele, para quem não clicou no link, foi a seguinte: “Harry Potter e O Senhor dos Anéis não passam de textos ilustrados.”
Minha reação inicial ao ler a declaração foi a de pensar em mil palavras ofensivas para direcionar ao Peter Greenaway. Pois é, ser fã faz isso com a gente. Voltamos a ter 12 anos – quando quem diz mais palavras ofensivas vence uma discussão – com uma facilidade imensurável. Aproveitei meu momento de fã e também pensei em chamar o Greenaway de pretensioso, para mostrar que eu era uma adolescente que conhecia palavras “chiques”. Mas aí a raiva passou, voltei a ter 26 anos, e a ideia que foi ganhando forma, na minha mente, é a de que discordo da declaração do cineasta, e nem é pela questão técnica de que os livros citados por ele não são ilustrados. A minha discordância não é algo que nasceu naquele momento, não é algo que foi oportunamente construído, mas é algo processual. Não vou dizer que é imparcial porque para além do fato de que imparcialidade é um mito, sou fã, confessa, de Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Mas posso dizer que é uma discordância ressignificada.
Sou daquelas pessoas que leem até bula de remédio. Tenho sempre em minha bolsa um livro e uma revista em quadrinhos (geralmente da Marvel, me julguem!). Será que alguém vai aparecer aqui e dizer que quadrinhos não passam de ilustrações comentadas? Nunca se sabe em que lugares se escondem os Greenaways brasileiros. Já li livros inteiros em hospitais, em fila de banco, etc. Conheci O Senhor dos Anéis bem nova, com… 12 anos (quem diria! Eu ainda era uma adolescente que acreditava ser onipotente, que ostentava um ar apolíneo… ah! A arrogância da juventude…). Um amigo dos meus irmãos me emprestou o livro, volume único, e disse “divirta-se!” Eu segui, à risca, a recomendação. Devorei o livro. Alguns anos depois, quando conheci Harry Potter, minha mente decidiu: eu passaria os meus dias em Valinor e as minhas noites em Hogwarts. Os feriados eu passaria em Discworld. E as férias em Westeros (que conheci em 2004).
Tudo bem, saindo da fantasia e voltando para o mundo real, eu preciso dizer uma coisa: nunca li Harry Potter ou O Senhor dos Anéis esperando um novo Ulisses. Esperando um novo Memórias póstumas de Brás Cubas. Esperando um novo Grande sertão: veredas. Esperando um novo Rayuela. Enfim, não fiquei “Esperando Godot” o que, talvez, tenha sido essencial para que eu tenha gostado das sagas em questão. Eu não procurei mais do que elas ofereciam. Eu não pedi um pão de queijo e fiquei esperando sentir o gosto de uma pizza. E acho que é bom que haja esse cuidado por parte de qualquer leitor. O livro te oferece algo, e as suas expectativas, o seu conhecimento de mundo, definem se você vai aceitar o que lhe é oferecido ou não. Não estou, de modo algum, dizendo que todo livro tem o seu valor, que todo livro tem algo a oferecer, que todo livro é bom. Desculpem-me, ainda não cheguei nesse grau de evolução ou de relativismo burro. Estou dizendo que devemos analisar o livro pelo que ele se propõe a fazer. Se ele deu conta disso, ele pode receber, no mínimo, o adjetivo “honesto”. Agora entra a subjetividade: o leitor pode ter considerado o livro bem escrito, ele pode ter atendido à proposta, mas o enredo não lhe agradou. Aí já é outro assunto. Às vezes, o leitor até pode gostar do gênero fantasia, mas isso não significa que ele gostará de todos os livros de fantasia.
Peguemos, como exemplo, o strogonoff. A pessoa diz que gosta de strogonoff. Ela já experimentou diversas receitas do prato e adorou. Gosta tanto do de frango quanto do de carne. Um certo dia, ela foi jantar na casa de uma amiga. O prato era strogonoff, mas sua amiga tinha colocado azeitona. E ela odeia azeitona. E agora, quando ela for pedir strogonoff em algum restaurante, é certeza de que ela ficará satisfeita ao experimentar o prato? Ela pode dizer que se é strogonoff é certeza de que é bom?
O mesmo acontece com os livros. Você pode até ter predileção por um certo gênero, você pode até curtir romances policiais, que você sabe o que esperar, é um romance FECHADO. Você não vai esperar mais do que isso desse gênero (em estado “puro”, claro, não estou falando de gêneros híbridos. Sim, essencialmente, não existe nenhum gênero puro, mas vocês entenderam o ponto). Entretanto, o fato de você gostar de Sherlock Holmes não é garantia de que você gostará de Hercule Poirot ou de Miss Marple. O estilo de escrita (ou a receita, voltando ao exemplo do strogonoff) do Sir Arthur Conan Doyle é diferente do estilo de escrita da Agatha Christie. É pecado gostar de um escritor e não gostar do outro? Não. É pecado não gostar de nenhum dos dois? Também não. Mas é incoerente dizer que não gosta de O caso dos dez negrinhos porque ele não é como Bom Crioulo. Estamos falando de gêneros diferentes, propostas diferentes de escrita. Ignorar esse detalhe é como querer juntar água e óleo só porque os dois “são” líquidos (podem ser encontrados no estado líquido). Não funciona assim.
Não dá para, simplesmente, dizer que LIVRO É TUDO IGUAL. Esse tipo de coisa é tão leviana quanto dizer que Harry Potter e O senhor dos Anéis não passam de textos ilustrados. Isso é ser injusto. É não reconhecer todo o trabalho criativo dos autores. É não reconhecer os processos intertextuais passeando pelos textos, é não reconhecer a literariedade dos textos em questão. É não reconhecer o trabalho que Tolkien fez com mitologias. É não reconhecer que a J.K bebeu não só de Tolkien, mas de Homero e de muita gente boa, e conseguiu sustentar (e desenvolver) uma ideia por sete livros. Percebam que não citei coisas como “não reconhecer o valor das amizades”, porque isso já entra, muito, na questão da subjetividade. Tentei ficar nos pontos que MOSTRAM que os livros citados não são apenas textos ilustrados, mas são, legitimamente, obras literárias.
Eu considero que o Peter Greenaway seja um deformador de opinião? Não. Assim como não considero que o Herzog seja incompetente como cineasta por ter feito declarações polêmicas contra o Godard. Considero que o Bergman tenha sido um cineasta desprezível pelo fato de ele ter sido meio HATER e ter feito declarações de ÓDIO que foram direcionadas de Orson Welles a Godard? Não. Acho que, em algum momento, todos fazemos declarações infelizes. E eu acredito que a declaração do Peter Greenaway, na qual ele diz que Harry Potter e O Senhor dos Anéis não passam de textos ilustrados seja, sim, deformadora de opinião. Ou, talvez, formadora de arrogantes. Querendo ou não, o cineasta em questão tem um certo prestígio, e quando ele fala esse tipo de coisa, muitas pessoas nem vão se preocupar em averiguar, ou tirar a prova, elas assumirão que Harry Potter e O Senhor dos Anéis não podem ser considerados obras literárias. E eu acho isso algo meio perverso. Acho perverso você utilizar do seu prestígio para destruir algo que não se encaixa nos seus padrões, nas suas preferências.
Para evitar cometer este tipo de injustiça, quando decidi estudar literatura fiz uma promessa para mim: a de NUNCA deixar morrer em mim a leitora para que, em detrimento dela, nascesse a crítica literária. Eu optei por não deixar morrer em mim a capacidade de me divertir, de me emocionar com o que eu fosse ler, porque eu queria que no momento da leitura, eu me permitisse rir, chorar, lamentar e vibrar. E que quando eu vestisse a roupa de estudante de literatura, eu tivesse a consciência de que qualquer análise tenha de partir da obra literária e, portanto, eu não utilizaria obras literárias para justificarem conceitos. Prometi que teria em mente a consciência de que a arte não necessariamente é entretenimento, mas ela também pode ser. O entretenimento “PURO” está para sexo como arte está para amor. Você paga por entretenimento e por sexo, mas não paga por arte e amor. Entendam, não estou falando de comprar uma “obra de arte”, ou, no caso, um livro, estou falando da impossibilidade de se calcular o valor das emoções que essa obra de arte causa em você. E dizer que Harry Potter e O Senhor dos Anéis não passam de textos ilustrados é expulsá-los até mesmo da possibilidade de serem obras literárias de entretenimento, de serem uma arte, mesmo que considerada, por muitos, como uma arte menor.
Provavelmente, a verdadeira deformadora de opinião, por aqui, sou eu, que enrolei por alguns parágrafos para, então, começar a falar sobre o foco deste texto. Ou talvez essa seja uma batida (mas ainda válida) estratégia de escrita que adotei, guardando o melhor para o final. Quem parou de ler o texto no primeiro parágrafo não saberá que eu me chamei de deformadora de opinião. Quem parou de ler o texto quando falei que adolescente é arrogante e pensa que é onipotente não saberá que a minha onipotência acabou quando eu tinha 12 anos, quando meu time perdeu o Campeonato brasileiro. Quem não sabe qual é o meu time, só saberá quando olhar o trequinho que contêm informações sobre o colaborador. Quem não leu o texto todo não saberá que eu sou mineira, pois não lerá a palavra “trequinho”, que acabou de me denunciar. Deixar essas informações para o fim do texto foi um mecanismo de defesa. Talvez tenha sido isso o que Peter Greenaway quis com a declaração depreciativa acerca de Harry Potter e O Senhor dos Anéis, ele quis diminuir um tipo de arte que não é compatível com o que ele considera arte, não é compatível com o tipo de arte que ele “produz”. Talvez essa tenha sido só uma infeliz forma de autopromoção. Talvez.
Sobre a autora: Cleonice Machado é mestranda em Literaturas de Língua Portuguesa, com ênfase em Literaturas Africanas. Acredita que isso seja informação demais. Para o caso de não ser uma overdose de informações, é, também, apaixonada por Futebol e Política. Quando não está no Mineirão, assistindo aos jogos do Clube Atlético Mineiro, ou nas ruas, militando, é professora de Literatura. Mas, sem ingerir quantidades cavalares de café, “não sou nada, nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Vocês a encontram no Twitter como @cleoamachado
Curti tua defesa, Cleo.
Mas, sei lá, o que entendi da declaração do Greenaway (e posso ter entendido BEM errado) é que ele não se dirigia às obras literárias, mas aos filmes. Afinal, ele falava de cinema, não era? Entendi que ele dizia “[os filmes] ‘Harry Potter’ e ‘O Senhor dos Anéis’ não passam de textos ilustrados” — na medida em que, para muitos, uma adaptação cinematográfica é uma forma enviesada de ler o livro (e, opa, se estiver dublado, melhor ainda!). Eu até diria que ele não está nem aí pros livros em questão: esse tipo de declaração faria mais sentido na boca de Harold Bloom há uma década.
Daí eu achei o texto meio nada a ver. Mas foi só por esperar argumentos em favor do tipo de cinema atacado pelo diretor, em detrimento daquilo que ele vê como o potencial ainda não aproveitado do cinema — não em favor da relevância literária das duas sagas. Mas se a maioria do povo ler a notícia como um ataque aos livros mesmo, o texto passa a fazer maior sentido. Só, repito, não foi assim como EU li as declarações dele.
Acho que concordo um pouco com um cara que diz: “O cinema não foi criado para ser parque de diversões para Sharon Stone. Se você é um ator, hoje em dia, só faz transar e morrer nos filmes.” Acho que por isso ando meio desanimado com o cinema.
Complementando o que o Tuca disse, em si o texto é bom, mas a crítica do Greenaway parece ser direcionada à indústria cinematográfica, não aos livros mencionados. De certo modo, ele tem razão – uma adaptação acaba sempre por depender do texto original, e muitas vezes fica a impressão que o livro está todo ali, mas que falta espírito ao filme (vide “Comer, Rezar, Amar”, “O Apanhador de Sonhos”), que a própria adaptação não se sustenta sem a obra original. A busca por autonomia no processo adaptativo é o sonho de todo roteirista/diretor, só que, infelizmente, nem sempre funciona – eu confesso que achei as adaptações de Harry Potter de “O Cálice de Fogo” pra frente meio difíceis de engolir, principalmente porque não posso usar os livros como referência, mesmo porque não os li. A obra do Greenaway é muito visual, vale a pena conferir (confira “Ronda da Noite”, “A Última Tempestade” e aquele outro do cozinheiro-e-da-amante-que-eu-me-esqueci-o-nome, que tem o Dumbledore 2.0 (Michael Gambon) no papel de vilão).
Achei a argumentação interessante, mas discordo um pouco do cerne do seu texto, Cleo.
Acho que Greenaway não só pode, como deve, emitir esse tipo de opinião, e não há nada de errado ou infeliz nisso. Ele influenciará opiniões? Sim. Mas isso é um efeito que não dá para afastar, resultado do fato dele ser influente. Mas, por isso mesmo, é importante que ele tenha sim uma opinião em relação às obras. Não vejo problema em ser crítico.
De fato, algumas pessoas deixarão de ler os livros com base no que disse Greenaway. Outras, não. Por isso, ele deve deixar de dizê-lo? Quantas pessoas não deixam de ir a um filme porque um crítico não o avaliou bem? Ou deixaram de comprar um disco? Então, a solução “correta” seria que todos os críticos deixassem de dar “opiniões infelizes” sobre as obras, para que todos pudessem ver os filmes, ler os livros e ouvir os discos e tirarem suas próprias opiniões?
Outro ponto é o oposto: e se Greenaway tivesse elogiado as sagas? Estaria ele influenciando as pessoas do mesmo modo — e, pelo seu texto, entendo que o que mais a adesagradou foi essa influência que ele exerceu. Seria essa influência, caso viesse um elogio ao invés de uma crítica, positiva? Qual o critério?
De toda forma, concordo um pouco com o Tuca quando ele diz que o comentário de Greenaway foi mais em relação aos filmes que aos livros. Mas acho que seu texto, de toda forma, foi importante para refletirmos sobre o papel do crítico. Não vejo a necessidade de prometer que nunca “deixaria morrer em mim a leitora para que, em detrimento dela, nascesse a crítica literária” — será que as duas coisas não poderiam coexistir?
Como diria o Jack, vamos por partes: eu não disse que ele deveria ter deixado de emitir opinião, eu disse da responsabilidade de se ser formador de opinão. O ponto não é deixar de criticar. Por exemplo, lemos muitas resenhas aqui no Meia, as pessoas não deixam de criticar algo que não gostam nos livros, mas elas o fazem de forma respeitosa, elas avaliam a obra como um todo, e apontam, sim, os pontos fracos, aquilo que não é legal. Mas dizer “essa obra não passa de versinhos que menininhas fazem quando encontram seu primeiro amor” seria leviano, seria, a meu ver, irresponsabilidade.
Todos somos influenciáveis. O que nos diferencia (ou não) é o quanto somos influenciáveis. Eu não disse que ele não deveria emitir opinião. Céus! Que mundo louco seria esse? Eu disse que, POR TER PRIVILÉGIOS, ele, ou qualquer crítico, deveria ser, no mínimo, cuidadoso, e não apenas um HATER. Porque da maneira que ele falou, da maneira que ele fala da arte que não é a dele, me parece que ele se posiciona como um hater.
Quanto a isto aqui, ó: “nunca “eixaria morrer em mim a leitora para que, em detrimento dela, nascesse a crítica literária”, eu pensei que tivesse ficado claro. Eu disse que não deixaria morrer uma para que a outra nacesse, mas não que uma tivesse de ser eliminada em prol da outra. Eu questionei justamente quem não consegue relativizar os dois posicionamentos, o de leitora e o de crítica.
Então, mas o ponto é o seguinte: você acabou acreditando que ele teve uma postura de “hater” pela forma como uma frase da fala dele (que foi tirada do contexto) foi colocada em uma matéria. Como saber se ele não embasou essa opinião dele no restante de sua fala? Estamos discutindo, inclusive, se ele referia-se aos livros ou aos filmes… Como saber que ele apenas proferiu essa frase, sem argumentar em prol dessa opinião?
Não, eu acredito que ele tenha postura de HATER por TUDO dele que eu já li. Ele é conhecido, no meio cinematográfico, por suas declarações polêmicas, ele gosta de “causar”. Mas, como eu falei, isso não influencia nos filmes dele que eu, PARTICULARMENTE, acho pretensiosos. Eu não o questionei como cineasta, eu o questionei como hater, como questiono até o Herzog, que eu acho um dos mais brilhantes cineastas de todos os tempos.
Então, mas eu nunca disse que você o questionou como cineasta… rs. Apenas que não vi essa declaração dele como uma declaração “hater”, mesmo separada, e imagino que ela ainda possa fazer algum sentido quando encaixada no restante de sua fala nessa palestra.
Novamente, acho que o comentário dele tenha sido em relação aos filmes, e nesse sentido, acho uma crítica válida — não a vejo como uma coisa “hater” no sentido de falar mal só para causar, acho que faz sentido dizer o que ele disse. Também temo um pouco o tabu que foi formado em torno de algumas obras, como Harry Potter. Não é preciso concordar com o Greenaway, mas eu francamente acho importante esse papel que ele cumpre (e acho que muitas vezes o Herzog faz esse papel também) de levar as pessoas a refletirem em relação àquilo que dificilmente pode ser criticado, como foi o caso…
Tenho que admitir que fiquei bastante vontade, inclusive, de ver isso tornar-se mais uma discussão em torno de porque os filmes não são apenas “textos ilustrados”, seus méritos artísticos, enfim, algo mais construtivo! 🙂
Vou repetir, aqui, o comentário que fiz lá no Meia, Tuca:
No primeiro momento, minha interpretação também foi essa, a de que ele estava falando sobre as adaptações e, mesmo assim, eu não concordo com ele. . Mas aí vi que eu poderia falar tanto sobre livros quanto sobre filmes que a ideia serviria ao seu propósito, como comentou uma amiga minha, no facebook “isso serve para cinema também”, então, optei por falar sobre os livros.
E eu escreveria praticamente o mesmo texto que escrevi, só mudando de livros de entretenimento para filmes de entretenimento (e até seria mais condescendente com o Peter no que tange aos filmes de Harry Potter [posso dizer que gosto, mesmo, do terceiro (Cuarón <3) e de Relíquias da Morte – parte 1], mas sobre O Senhor dos Anéis, eu discordaria veementemente).
O Greenaway é famoso por suas declarações polêmicas. Mas acho que até na parte que você citou, ele foi infeliz. Por exemplo, Boogie Nights tem cenas fortíssimas de sexo, mas dá para dizer que é sexo aleatório? Dá para dizer que o filme não é arte, é apenas um pornozão de grife? Boogie Nighs é o PTA em um dos seus melhores momentos, e de toda a filmografia do PTA, eu só coloco BN atrás de Sangue Negro que, também, tem… vejamos… MORTE. São mortes aleatórias? Não, são mortes contextualizadas.
Eu acredito que o “só” dele é apenas como forma de enfatizar uma opinião. Ele provavelmente se dirige ao que é mais visto mundo afora, o que ganha destaque na homepage dum portal dum conglomerado qualquer. Não ao PTA, por exemplo (que adoro, ainda que inverta sua ordem, na minha preferência, e coloque Magnólia acima de tudo — e, talvez, Embriagado de amor logo depois). Acho que exceções só confirmam a regra.
Acho que o centro da questão seria “adaptações cinematográficas de obras literárias” e não a questão “cinema de entretenimento” em si — até porque, numa das pouquíssimas citações da palestra (que, creio, se transcrita na íntegra, retiraria muito da possível ambiguidade dos trechos), ele fala que “A comunicação satisfatória do cinema funciona de forma perfeita apenas quando unimos educação e diversão”. Seria uma questão de “Qual a necessidade de fazer um filme sobre uma história que já está num livro (em vez de explorar o cinema sem “amarras literárias”)?” Creio que, em vez de apenas mudar pra “cinema” os trechos em que se fala “livro”, o debate seria (se não totalmente, ao menos) bem diferente.
“Talvez essa tenha sido só uma infeliz forma de autopromoção. Talvez.” Acho que talvez, em vez de dirigir a polêmica a ele, seria mais fácil direcionar a crítica ao jornalista que selecionou os curtíssimo trechos citados (sendo o principal o título), muito provavelmente querendo a instauração de uma polêmica. O que me lembra um video famoso no YouTube: http://youtu.be/iypM6LKhB8o?t=42s
(Mas talvez isso só seja uma questão de pouco espaço, etc.)
Ainda sobre PTA, minha classificação: There Will Be Blood > Boogie Nights> Punch Drunk Love> Magnolia (e não vi Hard Eight, o que deve ser uma falha de caráter minha, IMO).
Como o Peter não citou nomes, para exemplificar o ponto, os únicos filmes que eu vejo, como exceção, PARA ELE, são os dele. Tirando isso, quaisquer filmes, de quaisquer diretores, podem entrar no ‘bolo’ dele de que ator só fica pelado e morre no cinema. Acho que ele seja muito extremista, muito exagerado. Em quaisquer instância, seja literária, fílmica ou musical, sempre teremos algumas dissonâncias, mas não acho que elas sejam tão gritantes quanto o Peter fez parecer.
E não acho que qualquer arte tTENHA de ser educativa, não. Acho que, se é arte, transforma, mas o transformar não é necessariamente educar. Mesmo porque, a arte é, de certo modo, um desvio. São desvios na ordem sintática da escrita que produzem um certo efeito esperado, um efeito artístico. São desvios na montagem de um filme que o tornam diferente, especial, até. Memento, por exemplo, é o que é pela sua brilhante montagem, e não pelo enredo, propriamente dito.
Ao contrário do Peter, não acho que o cinema precise se desvencilhar de adaptações literárias, não. 2001 e Blade Runner certamente concordam comigo. E O Senhor dos Anéis também concordaria (não tô falando que Tolkien concordaria, porque aí já entraríamos em outra questão, a dos escritores que não acham plausível verem adaptações de suas obras). Harry Potter, em menor grau, também.
Maaaaas aqui entra um outro ponto. Embora 2001 seja um filme “cult” e Harry Potter seja “só um filme baseado em um best seller”, não podemos deixar de ressaltar que ambas as adaptações foram coerentes com a proposta das obras às quais se propuseram a adaptar. Os filmes de Harry Potter poderiam ser melhores? Poderiam. Mas, como adaptações, funcionam? Sim, funcionam. A transposição da linguagem literária para a da linguagem fílmica foi ok. Questiono os filmes dirigidos pelo Chris Columbus? Claro que questiono. Foram filmes meio tensos. LOL Mas achei que o Cuarón fez um ótimo trabalho na direção do terceiro filme e, veja só, é o filme que teve a menor brilheteria. MALDITOS FÃS QUE IMPLICARAM COM A CALÇA JEANS DA HERMIONE.
Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, pão ou pães, é questão de opiniães.
Sei lá. Li pouquíssimo sobre o autor e, creio, nunca vi filme algum dele. Acho que sua opinião (de exagerado e extremista e de que os únicos filmes que seriam exceção seriam os dele mesmo) deve ser, então, baseada em outras coisas, para além da nota-quase-um-tweet do site de notícias citado. Assim, me calo, por não conhecê-lo o suficiente para defendê-lo nesse sentido.
O lance da educação e diversão pode muito bem ser algo “lost in translation”. Os termos escolhidos (pelo mesmo carinha que quis mais pageviews fruto duma polêmica, como disse o Flávio abaixo) podem muito bem ter a conotação que você mesma apresentou em seu comentário, com a vantagem de não ter limite de caracteres que o jornalista provavelmente tinha. Mas de qualquer modo, citei o trecho não tanto pelo “educação” ou pelo “apenas” (retórico, provavelmente), mas pelo “diversão” (entretenimento), que mostra que ele não destituiu esse fator da equação cinematográfica.
Acho que o debate dele quanto às adaptações é mais pro lado do povo se arriscando menos para um lado mais original. Não é tanto um “precise se desvencilhar”, mas um “enquanto continuar com o cordão umbilical, não vai desenvolver plenamente seu potencial”. Sei lá, as adaptações podem ser ótimas, dialogar com o livro, trazer novas camadas de interpretação e acrescentar detalhes imantados de significação que não havia no original, mas, às vezes, tenho a impressão de que elas são feitas não por esses motivos, mas por serem “o mais certo de se ter um retorno”. Nesse sentido, é mais corajoso fazer um Avatar (ainda que o roteiro tenha semelhanças com milhões de outras coisas, as pessoas esquecem que isso pode ser dito de qualquer filme — as adaptações de literatura só ficam mais resguardadas desse tipo de análise por ficar MUITO óbvia a principal origem da trama do filme, o que esconde de certa forma as demais) do que um O Senhor dos Anéis (a coragem aqui foi outra: o filme inovou em vários sentidos (tipo de produção, investimento financeiro, efeitos visuais), poderia ter dado muito errado, mas não era por falta de pessoas querendo vê-lo — era mais pelo que essas pessoas poderiam dizer se ele “ilustrasse” mal uma obra adorada por tantos, isso depois de já terem pago o ingresso pra ver).
Não li 2001 nem Blade Runner para analisar se eles se desprenderam de sua origem (gostei muito de um deles e achei o outro um pouco superestimado, ainda que entenda sua proposta), muito menos vi os Harry Potter (com exceção do 4º) para ver se “funcionam” (essa palavra que diz tudo e nada ao mesmo tempo) ou não. Ouvi muitos elogios ao 3º filme, ainda que, por enquanto, ainda não tenha o mínimo interesse em vê-lo (tô satisfeito, por enquanto, em ter lido os 7 volumes, apenas): Cuáron deve ter feito mesmo um ótimo trabalho, mas o que mais gostei de sua adaptação foi o seu nome ter ganhado algum peso para que ele pudesse dirigir outra adaptação (veja só), Filhos da Esperança, um filme com uma direção que eu classificaria como “fascinante” (vi e revi o making-of). Voltando: Ouvi falar de questões políticas, apresentadas nos filmes, que se desviavam um pouco da obra escrita por J.K. Rowling ou apresentavam interpretações inusitadas de certos trechos — o que pode incluir, por que não?, a indumentária da Hermione.
Era meio isso o que tava esperando como resposta às curtas citações de declarações que li na notícia (como tinha dito, esse foi o modo como as interpretei).
(E, bah, citar Memento é ganhar o meu coração, hahahaha.)
“É pecado não gostar de nenhum dos dois? Também não.”
Pode não ser pecado, mas que é um fator determinante na minha análise de caráter, com certeza é.
hahahahahahahha
Quindim, você por aqui, meu caro amigo!
Texto interessante, Cleonice (por pouco não teclei Melian), foi bom ter deixado a poeira assentar antes de escrever a coluna (não que eu não goste dos seus textos escritos por impulso XD).
Porém, fui ler a declaração de Greenaway na Folha e me parece que ele não estava falando dos livros de Harry Potter e Senhor dos Anéis, e sim dos filmes. O trecho em específico:
“A ideia do diretor é mostrar o cinema como uma obra mais ligada à pintura e às imagens e cada vez menos dependente do roteiro. “Precisamos cortar o cordão umbilical do cinema com as prateleiras das livrarias”, clamou ele. “‘Harry Potter’ e ‘O Senhor dos Anéis’ não passam de textos ilustrados.””
parece sugerir que as adaptações em filme “não passam de textos ilustrados”, afinal tanto Harry Potter quanto Senhor dos Anéis tentam manter grande fidelidade às obras originais, o que parece torná-los, segundo o diretor, dependentes demais de seus roteiros, roteiros que tentam não se desviar muito dos livros que os originaram.Afinal, ele estava falando sobre cinema e não literatura, por isso acho que escolheu exemplos (polêmicos) de filmes que não cortaram “o cordão umbilical” “com as prateleiras das livrarias”.
Não fui à palestra de Greenaway e não posso ter certeza do contexto em que foi dita a frase, mas desconfio fortemente que a Folha só destacou aquele trecho para criar mais polêmica e ter mais pageviews. De qualquer modo, foi realmente uma declaração depreciativa.
Quickbeam! o/
“não que eu não goste dos seus textos escritos por impulso XD).”: né? Até me deu ÓTIMO no meu post do tópico da Marcha das Vadias. hahahahahahah
E, sim, como eu comentei, no primeiro trequinho do Tuca, eu optei por falar dos livros porque eu seguiria mais ou menos a mesma linha de argumentação. Mas até tinha começado a rascunhar alguns trequinhos sobre os efeitos especiais de O Senhor dos Anéis, quando mudei o foco.
Gostei muito da tua posição e os exemplos citados!
Eu posso ser infantil, ou não sei, só sei que muitas passagens de HP e SdN mexeram muito comigo, como o conceito de amizade e lealdade. E a felicidade, por exemplo, pode morar numa casinha simples de um Hobbit.
Agora qdo for passar as férias em Westeros me chama, por favor, quero muito conhecer o Tyrion o/
ps: o q é esse pão de queijo e doce de leite mineiro, bom demais ><