Der blaue Himmel é um livro peculiar desde seu começo. Seu autor nasceu na Mongólia, sendo de um dos inúmeros povos túrquicos nômades e animistas que habitam as planícies da Ásia Central, os Tuvan. Escreve, porém, em alemão. Não apenas porque estudou na Alemanha: ele ainda vive em seu país natal, sendo influente entre seu povo, liderando-os na volta às montanhas altaicas, seu lar ancestral, de onde tinham sido expulsos pelo comunismo e pela fome. Ele escreve em alemão porque o idioma Tuvan não possui forma escrita.

Logo, é de se imaginar que o texto de Der blaue Himmel (‘O Céu Azul’, em português) seja marcado por uma oralidade poderosa: Tschinag escreve como se estivesse nos contando tudo aquilo enquanto um punhado de banha com leite de cabra cozinha na fogueira. Além disso, uma grande quantidade de expressões em mongol, tuvan e turquico aparecem a todo momento, ampliando esse efeito e dando uma sensação especialmente exótica ao texto.

A história começa com um sonho, do próprio Galsan, quando criança. Um sonho ruim, que não descobriremos com exatidão até o fim do livro. Como todo sonho ruim, deve ser contado para um buraco no qual se deve cuspir e, então cobrir com uma pedra. A partir desse episódio inocente, uma quantidade sem fim de digressões domina o cenário, narrando de forma mais ou menos fragmentada – mas sem perder a coerência em momento algum – a infância do autor.

Tudo se passa algumas décadas anos após a instauração do comunismo (o que se deu em 1924) na Mongólia. O avô de Tschinag fora o homem mais rico do país e seu pai estava próximo disso, apesar de terem perdido muito de suas posses graças ao comunismo. A riqueza, porém, era medida em quantidade de animais, não em dinheiro ou qualquer outra coisa pois, ironicamente, como a maioria dos povos nômades da Mongólia, os Tuvan só foram conhecer o dinheiro graças ao comunismo.

O livro corre em duas frentes. Uma delas é apresentar o modo de vida dos Tuvan para o leitor ocidental. É uma vida idílica, mas cheia de dificuldades. O comunismo e a natureza são duas ameaças constantes para o modo de vida tradicional em que eles viviam.

Por outro lado é um livro sobre a perda – o menino vai perdendo muitas das coisas que lhe são mais caras – a avó, os irmãos, o rebanho, o cachorro – enquanto um novo modo de vida lentamente se instala e consome as instituição ancestrais com as quais ele e toda sua família sempre conviveram, e com as quais ele sonhava para a idade adulta.

Der Blaue Himmel é um livro autobiográfico, o primeiro de uma trilogia. Os outros dois livros são Die graue Erde e Der weiße Berg, respectivamente A terra cinzenta e A montanha branca, e contam os anos posteriores de Tschinag. Esse primeiro livro foi traduzido para o inglês, o que pode ser uma boa oportunidade para se conhecer o autor.  Vale a pena nem que seja só por isso, pois, em tudo, ele soa peculiar ao ocidente: ele vive a maior parte do tempo em Ulan Baator com sua esposa e seus quase vinte filhos, alternando com palestras na Europa e as montanhas altaicas – onde retorna à suas raízes. É, ainda, uma proeminente figura política na Mongólia, sendo talvez o mais ferrenho defensor da minoria Tuvan, além de ser um curandeiro xamanista.