Através de três linhas narrativas, o documentário Raça propõe debater a ainda viva e intensa luta dos negros no Brasil pelo reconhecimento de seus direitos. Filmado entre 2005 e 2010, época efervescente desse debate, o filme tem direção do mineiro Joel Zito Araújo (A Negação do Brasil, 2000), conhecido por trabalhos anteriores com a mesma temática, e pela americana Megan Mylan, vencedora do Oscar de 2009 em documentário de curta metragem por Smile Punk.

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A dupla de diretores: mistura mineira e americana que deu em ‘Raça’

À época, o senador pelo PT do Rio Grande do Sul Paulo Paim levava ao plenário a votação do Estatuto da Igualdade Racial, após dez anos de reformulações e atravancamentos burocráticos. O projeto original já contemplava, inclusive, as cotas raciais nas Universidades públicas, mas após infinitas sessões e audiências, apenas uma versão fracionada do texto original foi aprovado – e apenas pelo apoio do senador Demóstenes Torres (DEM – GO), cassado no ano passado por ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, e de muita negociata com coronéis como José Sarney (PMDB – AP).

Sendo Paim e seu Estatuto o primeiro fio condutor da trama, o segundo foca os esforços do cantor e apresentador (e hoje também vereador de São Paulo, pelo PCdoB) Netinho de Paula para lançar a primeira rede de televisão brasileira para o público negro, a TV da Gente.

Já a terceira narrativa acompanha Miúda, quilombola militante pela defesa do quilombo Linharinho, no Espírito Santo. Diferente dos outros dois protagonistas não apenas no sexo, Miúda é mulher humilde e quem talvez nos traga a história mais interessante. A câmera de Raça acompanha não apenas as manifestações dos quilombolas, mas também a celebração de um ritual sincrético como apenas o Brasil de Gilberto Freyre poderia apresentar, com os quilombolas louvando Santa Bárbara com oblações católicas e sacrifícios pagãos.

Se as multitramas demoram certo tempo para se estruturar e prender o espectador, a parte final nos apresenta uma luta que ainda não acabou. Mesmo com a aprovação do Estatuto – em cerimônia de gala com a presença do então Presidente Lula –, certamente o senador Paim não parece plenamente satisfeito.

Já Netinho termina o doc apostando em sua candidatura ao Senado por São Paulo – eleição de 2009 que perdeu. Sua TV da Gente, após dificuldades na concessão e distribuição pelas redes de canais pagos, teve o sinal limitado ao interior de São Paulo, perdendo parte da relevância.

Miúda e os outros quilombolas terminam enfrentando o inimigo invisível da burocracia e ineficácia do sistema brasileiro, tentando retomar as terras assumidas pela Aracruz Celulose com o pueril gesto de levar crianças para plantarem mudas nas terras perdidas.

Miúda termina o filme rezando para Santa Bárbara, enquanto “o santo baixa” e os ritos das mães de santo são entoados. Como diria aquela música de Gal Costa: “…  são ecos da escravidão”.