O texto abaixo, correspondente à minha coluna deste mês, não é novo; ele já foi postado sob o nome de: “Uma pequena nota sobre arquitetura brutalista (e muito além disso)”, em agosto de 2012, na Revista Sinuosa, blog cultural inativo atualmente. Gostaria de publicá-lo novamente, com alguma revisão e expansão do texto, desta vez no Posfácio, porque acredito que algumas questões levantadas aqui de maneira modesta ainda são relevantes. Elas devem ser pensadas não apenas sobre a arquitetura, mas sobre a preservação das artes em geral. O Brutalismo, no caso, só parece ser um exemplo mais evidente por seu acentuado caráter de ruptura com a tradição.

— — —

Antes de tudo, vale uma pergunta: você sabe o que é arquitetura brutalista? Acredito que a maioria das pessoas tem uma noção do que é arquitetura moderna, no sentido de Modernismo, a partir da qual já vêm à mente exemplos vários, de Le Corbusier a Oscar Niemeyer, passando por alguns americanos como Frank Lloyd Wright e outros. A preservação de edificações representativas de arquiteturas pertencentes ao passado é defendida por muitos motivos, mas acredito (como puro leigo) que isso não é tão claro para todas as obras modernistas.

Ainda que haja muitos projetos modernos tombados por aí, inclusive no Brasil, ainda nos limitamos ao que se consagrou como uma espécie de “Alto Modernismo”, criações de grandes arquitetos filiados a uma ou outra escola. Oscar Niemeyer parece ser um caso óbvio: são muitos os que se levantam de imediato em prol do tombamento de qualquer obra sua. No caso de nosso país, outros representantes da chamada Escola Carioca, desse primeiro movimento moderno nacional, também são sempre defendidos, como Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy, mesmo que em certas situações as edificações não sejam realmente preservadas, apenas legadas ao abandono inerte.

Tivemos arquitetos em outras regiões do país que seguiram as tendências cariocas e também são respeitados por isso, porém há aqueles que pensaram suas “revoluções arquitetônicas” de modo diferente. Quem seriam? Vêm à minha mente agora os brutalistas, em especial alguns advindos da Escola Paulista, surgida em um segundo momento da história da arquitetura moderna brasileira.

O Brutalismo nunca foi visto com bons olhos. Seu ideal de uma arquitetura que se expõe como si, como estrutura material feita de concreto, metal, vidro e madeira, não encaixa muito bem nos princípios de beleza clássica. Para muitos são apenas “caixas”, lugares nada funcionais que foram projetados por gente preguiçosa que nem se deu ao trabalho de pintar as paredes e deixou o concreto exposto. Gostos à parte, o Brutalismo se trata, de fato, de um movimento (talvez utópico como muitos o são) que visava essa apreensão total da arquitetura pelo ser humano, que não deveria se enganar pensando que aquilo não era nada além de um prédio. O objetivo aqui não é explicar nem defender essas edificações, ainda que elas necessitem ser preservadas de inimigos como o Príncipe William. Para ele todas as obras brutalistas erguidas em seu território deveriam ser demolidas hoje em vez de duramente defendidas. Entre elas, estariam os Robin Hood Gardens (foto acima), conjunto projetado por Peter e Alison Smithson, na década de 1960, e concluído em 1972.

Você tem o direito de não gostar desse projeto, é claro, mas o importante é perceber que ele é um representante extremamente significativo de um pensamento sobre arquitetura de uma época. Parece óbvio falar disso, mas nem sempre é algo de que se tem consciência. Só se pensa que é um prédio “feio”. O conceito de feiura, acredito eu, é por demais relativo para ser levado em consideração nessas horas. É ele que leva construtoras a demolirem, nas metrópoles brasileiras atualmente, casas antigas e levantarem prédios “neoclássicos” ou ainda pastilhados, com sacadas de blindex.

Penso em um exemplo recente de reforma de prédio cuja estética tem muitas semelhanças com a brutalista: o antigo Museu Metropolitano de Arte (MUMA) de Curitiba, projetado por Marcos Prado e concluído em 1979. Uma das poucas obras próximas da arquitetura brutalista, ao menos de acordo com seu padrão paulistano, esse edifício se tornou a sede do Portão Cultural, centro que abriga o referido museu, um cinema, um auditório e uma biblioteca. Mesmo não sendo um edifício brutalista no sentido estrito, também foi considerado inadequado arquitetonicamente para seus fins. Neste caso, a princípio, o que seria uma ideia ótima pode ser horrível em termos de preservação: a antiga fachada, que era marcada pelo concreto exposto, pelas paredes de vidro e pela interação entre exterior e interior que permitia a entrada de luz natural, foi alterada para um modelo mais adequado às tendências do momento, poderia-se dizer. Uma rápida comparação entre duas fotos da entrada do museu já é suficiente:

muma comparação

O que se observa é que um prédio aparentemente não cai no gosto da Prefeitura nem de suas intenções eleitorais. Um prédio com mais aparência de “novo”, condizente com o perfil que o governo quer para o centro cultural, foi criado a partir do antigo, ignorando-se seu valor histórico. Não saberia dizer se o tombamento da obra seria a solução. Essa atitude é cada vez mais discutida com ação definitiva por estudiosos do campo da preservação arquitetônica. O problema maior, acredito eu, é realmente a total rendição do patrimônio artístico em geral aos interesses do Estado e dos grandes empresários, que não parecem interessados em proporcionar à população a chance de usufruir e compreender as expressões culturais de seu meio.

Mesmo que você não esteja nem aí para a arquitetura moderna, eu levanto a seguinte questão, bem adequada para o Posfácio, site no qual a literatura figura entre os maiores temas: e se o Estado resolvesse que os livros de um escritor tomam muito espaço nas bibliotecas? Apesar de ele ser muito relevante para sua época, hoje em dia ele é pouco lido, e seu estilo é até considerado “feio” e “desleixado” por alguns. Talvez deva ser reposto por livros mais atraentes para a juventude atual? Espero sinceramente que não.