Não tinha reparado, mas em 8 dias de Mostra eu ainda não tinha visto filmes iranianos nem chineses, essas nacionalidades onipresentes dos festivais. Hoje consertei isso e coloquei um americano, porque às vezes dá saudades de ouvir uma língua familiar.
Bends – Flora Lau é a primeira cineasta mulher que vejo sair da China, ainda que ela se baseie não especificamente na China, mas em Hong Kong. A diferença e a tensão entre o país e a ilha são um dos temas de seu filme, que ironicamente se recusa a olhar com mais atenção para suas personagens femininas.
O filme se desenvolve em duas histórias paralelas: Anna é uma dona de casa rica de Hong Kong cujo marido perdeu todo dinheiro no jogo e sumiu, deixando-a sozinha e sem nada; Fai é seu motorista, que vive do outro lado da fronteira com uma esposa grávida do segundo filho, o que custaria uma multa que eles não podem pagar.
Enquanto Anna tenta ignorar, driblar e esconder sua situação, Fai busca meios de levar a esposa para dar à luz na ilha. As duas histórias seguem separadas, apesar da proximidade física, e se encontram apenas no final. A história de Anna é melhor, a relutância da personagem em encarar sua situação e o medo de ser descoberta são retratados com sensibilidade e verossimilhança. Por outro lado, falta envolvimento com a história de Fai e, principalmente, falta olhar para sua mulher grávida enclausurada em casa, um personagem que parece mais rico do que o marido desesperado.
Bends é um filme bonito e pouco empolgante, é interessante e esbarra em uma questão que parece rica, a tensão entre a China comunista e os entrepostos livres. No entanto, o resultado final é frio e o espectador apenas observa esses personagens, sem conseguir se envolver.
Mudando as Regras – Por muitos anos o cinema iraniano teve fama de lento, excessivamente intelectual e um tanto hermético. A fama não é desmerecida, embora o país tenha produzido diversos filmes excelentes, mas há uma nova geração de cineastas que busca olhar as contradições daquele lugar de forma mais descompromissada, pop e, por isso mesmo, um tanto subversiva.
Mudando as Regras apresenta um grupo de teatro que deve viajar para uma apresentação no exterior. A maior parte dos participantes mentiu para a família a respeito do destino e da motivação da viagem, exceto Sheherazad, que por conta disso acaba proibida pelo pai de partir.
O filme, assim como Procurando Elly, olha para uma certa juventude iraniana que se por um lado é ocidentalizada e secular, por outro parece bastante conformada com os rituais exigidos pelo governo islâmico. São moças que fazem sexo antes do casamento, mas já não se importam muito de precisarem usar véus para sair na rua. É um país que existe do lado de dentro das casas.
Mudando as Regras é tenso, complexo e despretensioso. O filme constrói bem seus diversos personagens, prende o espectador e faz a pergunta do que seria, realmente, subverter.
Dark Blood– O último filme de River Phoenix permaneceu inacabado por anos, já que o ator morreu no meio das filmagens. Vinte anos depois do início da produção, George Sluizer voltou ao material e decidiu montá-lo, adicionando uma narração em off para as partes que não puderam ser gravadas.
A narração acaba sendo um recurso interessante nesse filme: ao invés de soar excessivamente didática, como acontece quando acompanha imagens, ela insere um elemento de metalinguagem e cria um exercício de imaginação interessante. Porém, o interesse do filme não vai muito além disso.
Harry é um famoso ator de Hollywood que acaba preso no meio do deserto com sua mulher Buffy, quando o carro em que viajam quebra. A única pessoa por perto é um garoto estranho que vive isolado após a morte de sua mulher. O filme acontece quase todo na casa do garoto, com um jogo entre a atração que ele sente por Buffy, o misto de desejo e autoelogio dela e o ciúmes de Harry. Há momentos interessantes, mas o excesso de diálogos artificiais e a falta de profundidade do personagem do Garoto (que nunca é nomeado) comprometem o longa.
Sobra um western que não chega a ser ruim, mas é aguado. E tem como principal atrativo o charme de River Phoenix.