Antes de seguir por essas maltraçadas, proponho que faça o seguinte exercício: imagine-se aos 33 anos, empregado, muito bem casado e com três filhos. Em dada hora da vida, você, que sabe tocar muito bem um instrumento, é convidado por dois caras muito bem apessoados para fazer um “frila” numa banda estrada afora. Como a grana é boa e os contratantes, honestos, você vai com prazer. Em uma noite de alegria furtiva você bebe demais e passa mal, chega até a desmaiar.

Quando acorda, está acorrentado num cativeiro, preso pelos pés e pelas mãos, numa solitária com apenas um faixo de luz; grita por socorro. Quando alguém entra você brada, perplexo: “sou um homem livre, me solte! Por que eu estou preso?”, mas mal termina de falar e leva algo em torno de 100 chibatadas. Ah, sim, esqueci de dizer: você é negro e mora nos Estados Unidos do século XIX, mais precisamente em 1841.

Tudo bem se você não conseguir realizar o exercício. Afinal, é muito difícil se imaginar numa situação na qual você é submetido a um tratamento tão selvagem e desumano, de negação da própria vida. Eu diria até que parece roteiro daqueles filmes que vão para o Oscar, não fosse, antes, uma história verdadeira escrita por Solomon Northup no livro 12 anos de escravidão.

Northup nasceu em 1808, em Nova Iorque, região Norte dos Estados Unidos e zona industrial do país que não praticava escravidão – é ali, inclusive, que o futuro presidente Abraham Lincoln vai militar pela abolição da mesma nos anos 1860, tendo que se utilizar das práticas mais criativas para convencer os congressistas do Sul a acatarem sua vontade.

Após cair na armadilha descrita no preâmbulo, Northup é vendido como escravo sob o nome de Platt e enviado rapidamente ao Sul, onde é submetido a trabalhos manuais forçados nas plantations da região, bem como a castigos diários por não ser habilidoso na técnica algodoeira.

O livro, (muito bem) escrito em primeira pessoa e publicado originalmente em 1853, apresenta todos os senhores de escravos aos quais o protagonista foi submetido. Eu não sabia, mas os fazendeiros costumavam emprestá-los uns aos outros, de modo que “Platt” teve mais de um senhor. Além disso, cada senhor empregava um feitor e demais funcionários que, brancos, também tinham o direito de subjugar aquelas “propriedades”, como são recorrentemente chamados ao longo da história.

Apesar de conter muitos personagens e diversos momentos de clímax, a narrativa de Northup é simples e fluída. É do tipo de livro que você lê rápido, não só pela primazia da escrita, mas pela curiosidade de saber o que irá acontecer; pela vontade de libertar o herói daquela masmorra que parece, a cada capítulo, prendê-lo mais e mais à lógica escravocrata, desumana e bestial dos capatazes do Sul.

É do tipo de leitura de ebulição, daquelas que desperta raiva, choro, compaixão e, se é que é possível, alguma esperança. Leia antes de ver o filme.