A impossibilidade da comunicação. A insuficiência da linguagem. Quando Franz Kafka escreveu sobre esses assuntos, no começo do século passado, foi aclamado como gênio – e com toda razão. De lá pra cá, porém, as coisas mudaram – e a história, junto com uma exaustiva repetição dessas idéias, apagaram um pouco do brilho dessas terríveis constatações do escritor Tcheco.

Talvez seja justamente por isso que o polonês Tadeusz Róźewicz inicia sua peça Odejście Głodomora (A retratação do artista, sem tradução para o português) com um pedido de desculpas a Kafka: a peça é uma apropriação, por um homem que nasceu pouco antes da morte de Kafka, de um dos contos mais pessoais e mais relevantes do criador de Gregor Samsa, Um artista da fome.

Róźewicz transportou, na peça, todos os personagens do conto de Kafka para os anos 1960. No início, tudo parece estar lá: o artista da fome, o empresário, os locais que duvidam da autenticidade do espetáculo, os guardas que devem impedir que o homem coma, o limite de quarenta dias para o jejum, a perda do interesse do público.

Não existe, porém, o circo, e nem a figura da pantera- tão poderosa no conto. Ao invés disso existe um contraponto ainda maior, e que Kafka sequer poderia ter imaginado: quem se interessa em um homem que jejua por opção – por orgulho, sugere o empresário – em um mundo em que milhares de pessoas, países inteiros, morrem de fome, em um mundo que já viu Auschwitz e os Gulags?

Róźewicz aponta não para a dificuldade de comunicar-se, ou para a insuficiência da linguagem, mas para um ponto nevrálgico da sociedade do pós-guerra: o que é preciso para atrair ou chocar as pessoas, o que pode ofender a sensibilidade de seres humanos que já internalizaram fatos tão terríveis e catastróficos quanto os que aconteceram na Segunda Guerra Mundial (e pelo resto do século XX, em menor escala)?  Não é a falta de um modo para dizer as coisas, mas o anacronismo de qualquer coisa que venha a ser dita que perturba o autor.

Apesar de não ser listada entre as obras mais relevantes de Róźewicz, eu considero essa uma de suas melhores peças. O franco diálogo com Kafka é bastante rico, mas não é tudo: Róźewicz foi forçado a dar voz a personagens que eram mudas, foi forçado a criar poesia onde Kafka deixou silência. O resultado é ao mesmo tempo poético e terrível, pois se trata do mundo que nos restou.