A maior parte dos cineastas não planeja o fim de sua carreira. Deixam de fazer filmes porque morrem, perdem a vontade, ou simplesmente sua produção vai rareando até cessar. É um processo de morte natural, uma vocação que se desgasta com o tempo.

Outros planejam sua saída de cena. Ingmar Bergman, por exemplo, embora tenha feito alguns filmes para a tv sueca depois, pensou Fanny e Alexander como sua última obra. O filme era um resumo de sua carreira, uma conclusão para seus temas e um fechamento de questões que o diretor vinha levantando ao longo de 40 anos de trabalho.

Com Vidas ao vento, Hayo Miyazaki anuncia sua aposentadoria e, como Bergman, despede-se com um filme atípico. Ao contrário de Meu vizinho Totoro, A viagem de Chihiro e muitos outros de seus filmes, o novo longa não se destina, nem perifericamente, a crianças. É a biografia de Jiro Horikoshi, designer japonês responsável pela criação dos principais caças japoneses utilizados na segunda guerra.

É fácil estabelecer um paralelo entre Jiro e Miyazaki: uma ponte entre seu país e um gigante estrangeiro (no caso do cineasta, entre a animação japonesa e a Disney, responsável pela distribuição mundial da maior parte de seus filmes), a obsessão com um trabalho criativo e a profunda sensibilidade para que seu trabalho seja fundamentalmente ligado a seres humanos.

O sonho do designer não era construir aviões apenas pelas máquinas, mas permitir aos seres humanos voar. Da mesma maneira, o enorme detalhamento e rigidez técnica dos filmes de Miyazaki nunca foram um virtuosismo estéril, mas uma forma de povoar um universo que fala ao que há de mais humano em seu espectador.

Há, de fato, um rigor extremo nos longas do cineasta. Não apenas no traço de sua animação, ou na decupagem, mas na própria estrutura narrativa, tão clássica que lembra fábulas ou contos de fadas. É a ideia, o classicismo de Miyazaki sempre lhe serviu bem: contar histórias universais, tocar em algo arcaico e arquetípico.

Nesse sentido, Vidas ao vento, diferente de seus outros filmes, se assemelha mais a um romance do século XIX do que a uma lenda sem idade. A referência literária faz sentido, o título do filme é tirado de um poema de Paul Valéry que os personagens recitam mais de uma vez: “o vento se levanta/é preciso tentar viver”

Tentar viver a despeito do forte vento da história parece ser a grande temática deste filme. Jiro, sua mulher, os próprios japoneses, se seguram e tentam viver da melhor forma possível, apesar de estarem sendo arrastados para o meio de um furacão. A tuberculose, a segunda guerra, a miséria, são ameaças inegáveis, ainda assim, é preciso tentar viver.

O realismo da história e o ar quase documental que o relato da vida do designer ganha às vezes são ajudados pelo uso de computação gráfica. Ela não rouba a cena do bonito traço dos estúdios Giblhi, mas confere dimensão e textura aos cenários, fazendo de Vidas ao vento o filme mais visualmente belo do diretor.

Belo é, na verdade, o melhor adjetivo para o filme como um todo. A poética das imagens e a singeleza dos diálogos fazem do longa uma experiência leve, delicada e sonhadora, apesar da tristeza de sua narrativa. Neste sentido também Miyazaki é como Jiro, recusa-se a assumir a desesperança, a contar uma história, por trágica que seja, sem um olhar otimista.

A impressão geral é que, ao se despedir, o diretor reflete sobre sua vida, seus sonhos, sua arte e seu país. Nem sempre essa reflexão é feliz, mas é preciso tentar viver. Aos 73 anos, Miyazaki se aposenta com um legado de imagens que são parte da história do cinema e da cultura pop atual. Uma busca rápida no Tumblr nos mostra o alcance de seu Totoro.

Vidas ao vento é diferente de seus outros filmes porque nesse o homem Hayo Miyazaki se coloca mais claramente. Porque ele fala àqueles que puderam crescer com seus filmes agora que tornaram-se adultos, e os temas amargos que ele insinuava em Chihiro ou Totoro podem ser tratados de forma explícita. Mas explícito não quer dizer desesperançado e assim há neste último trabalho um espírito idêntico aos anteriores.

A despedida de Miyazaki é como a de Bergman: única, atípica, mas sintética de uma carreira extraordinária. Agridoce por sua beleza e pela consciência de que não haverão mais filmes de um diretor tão amável. Entretanto, é preciso que o espectador seja generoso com quem tanto lhe deu ao longo dos anos: se o vento se levanta para Miyazaki, ele deve tentar viver. E talvez essa seja a mensagem não só de seu filme final, mas de todo o seu cinema