Em 2011, quando Batendo à porta do céu foi lançado nos EUA, caso dois físicos se encontrassem por acaso no elevador de um instituto qualquer, sem nada pessoal para compartilhar, haveria uma chance significativa de que o constrangimento fosse quebrado com a pergunta: “E o LHC, hein?”. Em toda a comunidade científica a expectativa era palpável em torno dos resultados do gigantesco acelerador de partículas europeu, que havia passado a operar recentemente dentro de uma nova faixa de energia. Carreiras inteiras – e até algumas teorias – estavam em jogo. O livro de Lisa Randall, renomada física teórica norte-americana, revela esse momento marcante, com clima de Nobel no ar.

O protagonista dessa história, o LHC (Large Hadron Collider) 1, é a maior máquina já construída pelo homem. São 27 quilômetros de circunferência no anel principal, enterrado a mais de 50 metros de profundidade, em que feixes de prótons são acelerados a 99,9999991% da velocidade da luz. São necessários 1232 ímãs cilíndricos com quinze metros de comprimento e trinta toneladas cada para manter a circulação das partículas, que giram 11 mil vezes por segundo. Cada um deles produz um campo magnético mil vezes mais forte que nossos ímãs comuns de geladeira, e deve ser mantido a uma temperatura dois graus Celsius acima do zero absoluto para manter a supercondutividade. São produzidas 1 bilhão de colisões por segundo, processadas automaticamente para isolar aquelas com resultados mais interessantes. Um trabalho brilhante de engenharia e física de ponta que custou módicos 9 bilhões de dólares – ou como Randall destaca: o preço de uma lata de cerveja por europeu por ano durante o período de construção do acelerador.

Além disso, o LHC representa a culminância de um projeto europeu de pesquisa em física de partículas iniciado há mais de cinquenta anos:

A história do CERN precede a do LHC em muitas décadas. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, foi concebido pela primeira vez um centro europeu de aceleradores que abrigaria experimentos para estudar partículas elementares. Naquela época, muitos físicos europeus – alguns dos quais tinham migrado para os Estados Unidos, enquanto outros ficaram na França, Itália e Dinamarca – queriam ver a ciência de ponta reconstruída em suas terras natais. Americanos e europeus concordavam que seria melhor para cientistas e para a ciência se europeus se reunissem nessa empreitada comum e devolvessem a pesquisa à Europa, de forma que pudessem consertar o resíduo de devastação e desconfiança que a guerra recém-terminada havia deixado.

 

Talvez seja um relato adoçado demais, mas não há como negar o peso emocional de um projeto científico comum, movido sem expectativa de frutos imediatos, entre países que há apenas alguns anos se esforçavam em aniquilar uns aos outros, como Alemanha, França e Inglaterra.2

De volta ao século XXI, a apreensão em torno do LHC decorria em especial da falta de comunicados a respeito do bóson de Higgs, que era a principal previsão a ser confirmada pelo LHC. Caso tal partícula não fosse encontrada na faixa de energia em que o acelerador de partículas operava em 2011, haveria choro e ranger de dentes no mundo da física: postulado em 1964, o mecanismo de Higgs era a única forma consistente de explicar a massa das partículas elementares. Esperava-se algo na faixa de 114 gigaelétrons-volt, não mais que 140 gigaelétrons-volt. 3

Além disso, existia alguma expectativa – e ainda existe, para as próximas faixas de energia – de que o LHC produzisse também algum resultado inesperado. A detecção de partículas até agora desconhecidas poderia apontar um caminho entre os inúmeros modelos teóricos existentes para explicar várias pequenas inconsistências entre o modelo padrão e os fenômenos observados. Existe ainda muito trabalho pós-Higgs para os físicos. Um pequeno desvio estatístico pode ser o sinal de que habitamos em apenas três dimensões de um espaço de cinco, onze ou muito mais dimensões, de branas infinitas ou minúsculas dimensões encurvadas.

Entre os desafios que ainda cercam o modelo padrão, Randall destaca o problema da hierarquia: a incômoda e enorme diferença de escala que existe no modelo padrão entre a força fraca e a força gravitacional. A teoria da supersimetria, por exemplo, que propõe que cada partícula do modelo padrão possui um “superparceiro” de spin diferente, se torna cada vez mais desacreditada à medida que os resultados se recusam a oferecer evidências desse rol de novas partículas.

Não é fácil falar de ciência de ponta, ainda mais sem se apoiar em equações matemáticas, mas parece ser especialmente nesses momentos que Batendo à porta do céu se torna mais eficiente em suas explicações. Em um capítulo de apenas quinze páginas, Randall apresenta e refuta a ideia sensacionalista de que as energias do LHC seriam suficientes para gerar um buraco negro que devoraria a Terra. Apoiando-se em diversos tipos de argumentos, desde o modelo de radiação de Hawking até dados sobre a frequência dos buracos negros no cosmos, ela ilustra perfeitamente a diferença entre raciocínio científico e especulação. Para aqueles que ainda permanecem descrentes, ela pede apenas que acessem o site hasthelargehadroncolliderdestroyedtheworldyet.com.

O entusiasmo e a dedicação da autora à ciência transparecem em todo o livro. Ainda que suas explicações em alguns capítulos, quando fala sobre a relação entre ciência e religião ou abstratamente sobre o método científico, por exemplo, sejam repetitivos e pouco convincentes quando comparados às partes mais técnicas, trata-se de uma boa leitura para quem deseja se manter atualizado quanto às descobertas mais recentes da física.

  1. Grande Colisor de Hádrons.
  2. Recentemente, o Brasil também foi aceito como membro associado do CERN.
  3. Em 4 de julho de 2012, os cientistas do CERN anunciaram a descoberta de um bóson até então desconhecido, próximo a 126 gigaelétrons-volt. Desde então foram confirmadas outras propriedades esperadas para o bóson de Higgs.