Malta é um pequeno país composto por algumas ilhas entre a Sicília e o norte da África. Das duas ilhas principais, a menor delas eu pude ver inteira do alto do avião, a maior tem 23 km de diâmetro. Como bem notou um espanhol com quem eu dividia uma garrafa de vinho no sábado a noite, se você quiser correr uma maratona, precisa atravessar o país duas vezes. Ainda assim, o que eu mais fiz por lá foi me perder.

Confesso minha parcela de culpa. Eu realmente, realmente, preciso começar a salvar um Google maps de onde preciso ir antes de sair sem rumo do aeroporto. Mas eu sempre confio que um endereço e um balcão de informação me levarão ao lugar certo. Bom, nem sempre. 

Malta é tão pequena que tanto faz a cidade em que você se hospedar, é possível visitar todos os pontos com viagens de menos de duas horas. Mais longe do que isso você cai no mar e nada até a Itália. Também existe só um aeroporto no país inteiro, então imaginei que não seria um problema grande chegar de lá ao hostel que eu tinha reservado. Desci do avião, encontrei um balcão de informações, tudo parecia bem.

Embora maltês seja uma língua do demônio (língua de base árabe, com algumas palavras importadas do italiano). O país foi colônia inglesa por 40 anos e todo mundo fala inglês razoavelmente bem. Perguntei para a mocinha como eu fazia para chegar em Sliema, “de ônibus?” Ela me pergunta. Quero responder “moça, eu estou te perguntando, se você mandar eu ir de camelo, eu vou de camelo” mas só movo as mãos em um sinal de “que sei eu?”. “É, acho que ainda tem ônibus, vai ali no ponto e pergunta pro motorista”.

Ela poderia ter me dito: “vai ali no ponto e olha o painel bastante didático com as linhas de ônibus”, teria me poupado um certo pânico, mas ela não foi tão generosa. Vejo uma enorme fila de pessoas que parecem muito certas de para onde estão indo, apesar da cara de turistas, me pergunto como fazem isso, eu devo estar o próprio retrato de uma pessoa aterrorizada. Pergunto ao motorista se o ônibus vai para Sliema. “Sim, sim, sim, entra logo”. Mas senhor, onde eu desço? “Entra, entra”. Ok, eu entro, espero não cair no mar.

O ônibus sai e eu decido que enquanto houverem turistas, está tudo bem. Algumas pessoas descem no meio do caminho, em pontos no meio do nada, todas absolutamente seguras de para onde estão indo, ou assim me parece. Eu só consigo olhar em volta e contar quantas pessoas com malas e chapéu de praia ainda vejo. Reparo então que o moço na minha frente tem um celular com Google maps. Eu mataria por um Google maps. Eu faria coisas impublicaveis nesse espaço por um Google maps. Eu faria qualquer coisas exceto pagar a tarifa para um dia de 3G que a operadora me cobra, então cutuquei o moço e perguntei se ele sabia onde estávamos. Sim, ele responde e aponta no mapa, pergunto se ele também vai para Sliema e ele diz que sim, então decido descer onde ele descer, seja lá onde isso for.

Quando ele se levanta, levanto atrás e consigo perguntar para o motorista sobre a rua que preciso ir “é uma dessas”, ele me responde. As pessoas não gostam de indicações precisas nesse país, estou começando a desconfiar. Saio, entro no primeiro hotel que vejo e pergunto, o recepcionista também não sabe, mas pode me dar um mapa. Aceito, meu coração cheio de agradecimento por finalmente ter um mapa, descubro que a rua é bastante perto, vou chegar o número no endereço anotado e… Não anotei o número.

Fui informada depois que a falha não foi minha, tudo é tão pequeno que as casas não tem número, tem nomes, o carteiro simplesmente sabe o nome de todas as casas. OI? Depois se surpreendem que eu tenha me perdido em um micro-país.

Bom,sem número, decido subir a rua inteira e procurar pela placa. Talvez seja um bom momento para lembrar que minha mochila está quebrada. E que são 11 da noite. E que Malta é terrivelmente, assustadoramente quieta durante a noite.

Subo a rua uma vez, nada, desço, nada, subo, paro um taxi, pergunto pelo hostel, nada. Quero sentar no chão, abraçar a mochila quebrada e começar a chorar. Mas me perdendo muito e vivendo muitos desastres pelo mundo, aprendi que me desesperar não leva a nada, então telefonei. Sei que um minuto dessa ligação custaria um rim, mas é melhor que dormir na rua. Alguém do outro lado da linha me pergunta se vi um açougue gourmet, respondo que sim (a resposta exata seria: vi, três vezes, as três vezes que cruzei essa rua), é bem do lado, ele me diz.

Ando até lá, olho bem para casa do lado e não vejo nada além de um prédio de apartamentos. Socorro, isso é um episódio de twilight zone em que estou condenada a andar em círculos. Qual será o recorde de voltas dadas ao redor de Malta? Uma mulher sai do prédio ao lado e pergunta “você está bem?” A resposta no meu cérebro é “não! Eu estou exausta, com fome, carregando uma mochila quebrada e acho que nunca mais vou conseguir parar de subir e descer essa rua”, mas só digo “só um pouco cansada. E perdida. Você sabe onde fica o hostel que me disseram que era aqui do lado?” Ela sabe. Soam as trombetas da glória divina no meu cérebro, eu saltitaria se a mochila deixasse.

Sou levada até a porta da casa, que está aberta. Entro, deixo a mochila no chão, estou finalmente quente e fora das ruas. Pena que não tem ninguém na recepção. Mas o que me importa, não é mesmo? Se vou dormir no chão, pelo menos progredi e vai ser do lado de dentro. Sento e espero. Espero, espero, espero.

Um italiano sai de uma porta e diz “check in?” Sim! Por favoooor, eu quero uma cama. Um minuto, ele diz. Ok, um minuto, uma hora, três horas, a essa altura, que diferença faz? Ele volta com um cara que mais tarde me informaram que era sérvio e que não é o recepcionista, só está lá há tanto tempo que é quase parte da mobília. Ninguém sabe como ou por que ele está em Malta. Ele só está.

Sérvio me da uma chave e me leva para uma cama, amanhã você pode fazer seu check in. Ok, deito e durmo de roupa mesmo. Acordo no dia seguinte determinada a chegar a praia, saio para fazer meu check in e… A recepção continua abandonada. Penso se devo continuar como uma fantasma sem check in, mas não gosto de não ter um locker, então decido mudar de hostel no fim do dia. Se quando eu voltar da praia alguém estiver lá, pago a noite que dormi, senão, saio de fininho.

Vou a praia (belas praias, alias), volto, passo no outro hostel, faço check in, volto para pegar minha mala e ainda ninguém na recepção. Acho bonito o desapego ao dinheiro que os donos desse lugar tem. Saio silenciosamente, levo a chave comigo, é minha recordação da noite dormida de graça.

Ao longo dos cinco dias que fiquei lá aprendi o sistema de ônibus, voltei para o aeroporto sem nenhum inconveniente ou cara de pavor. Vi praias lindas de areia dourada, templos neolíticos, formações inacreditáveis em rochas, um mar de um azul grosso, como tinta da época em que se escreviam com penas. Venham a mim os futuros viajantes de Malta, tenho todas as dicas. Também fui mandada pelo site do sistema de transporte local para pegar um ônibus que não existia em um ponto de ônibus que não existia. As vezes eu me perco porque sou lerda, as vezes porque o mundo é uma grande twilight zone e constantemente me manda ver coisas que não existem, um dia compartilharei aqui o capítulo que gosto de chamar de “no vale das borboletas só os inteligentes podem ver as borboletas.” Por enquanto estou em um trem para Roma e juro que lembrei de salvar um mapa.