Eu estudei francês por um semestre. Insuficiente para aprender qualquer língua que seja, ainda mais uma língua notadamente traiçoeira como a de Proust: reza a lenda que o começo é bastante fácil, mas que depois se torna diabolicamente difícil. Não tenho como confirmar, nem nunca terei.
Gosto, e bastante, de estudar idiomas. Uma das minhas dificuldades é decidir a quais vou me dedicar já que, infelizmente, é humanamente impossível ser fluente em tantos idiomas quanto eu gostaria.
Uma coisa, porém, é certa: não voltarei a estudar francês. Não direi ‘nunca’ para que não exista a possibilidade de trair a mim mesmo – mas diria que apenas caso alguma mudança muito grande aconteça.
E existe uma série de motivos para isso, que enumero aqui:
1 – Eu dificilmente me tornaria suficientemente bom para ler, sem o auxílio de um dicionário, as duas obras mais interessantes de Perec, La Disparition e Les Revenentes;
2 – Napoleão foi uma esperança frustrada para poloneses e croatas;
3 – O verdadeiro presidente da França é Carla Bruni, Sarkozy é uma espécie de brincadeira de mal-gosto, um meio-termo sem sal entre Berlusconi e Putin;
4 – O grupo punk Les Wampas gravou uma música que se chama Chiraq en prision – seu título era sua única qualidade, e a torna totalmente sem graça hoje em dia;
5 – Além de Perec, os melhores escritores de língua francesa não são franceses, nem canadenses, nem belgas, mas sim um irlandês, um romeno e um grego – dois quais dois já morreram;
6 – Jack Kerouac poderia ter sido um grande escritor de língua francesa, preferiu, porém, escrever em inglês e arruinar sua carreira ao tornar-se famoso;
7 – Os franceses roubaram as batatas fritas dos belgas.
Confesso não serem motivos muito racionais e, menos ainda, justos para se evitar aprender um idioma. Evoco em minha defesa, porém, que outros tantos idiomas são injustiçados como ‘inúteis’ ou ‘estranhos’ – e, assim, evitados por uma quantidade enorme de potenciais estudantes – por um argumento meramente matemático.
Literaturas riquíssimas, assim, permanecem obscuras por falta de pessoas capazes de entendê-las. Por outro lado, algumas que já são extremamente bem conhecidas continuam a proliferar – inclusive em seus aspectos mais tristes.
Isso é provocação? hehehe (brincadeira).
Eu não achei que aprender francês tenha ficado difícil nos níveis mais avançados. É um idioma com uma estrutura tão matemática que o português fica parecendo samba do crioulo doido…hehe (isso, claro, se vc não quiser aprender o Verlan – gíria/dialeto em que as sílabas das palavras são trocadas de lugar)
Para o Sarkozy, ano que vem tem eleições, e a Bruni não quer que ele se recandidate;
Aprender francês me ajudou a aprender espanhol e está me ajudando a aprender alemão;
Os franceses/belgas possuem um dos mercados editoriais de quadrinhos mais aquecido, e alguns são muito bons
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Mas é assim mesmo, em virtude de nosso tempo, temos de priorizar nossas preferências….. eu adoraria aprender os idiomas eslavos, bem como turco, árabe, japonês, mandarim e cantonês. Mas por enquanto vou ficar nos idiomas ocidentais… e mesmo assim invejo seu conhecimento…
Não, não é provocação… Não totalmente 😉
É uma defesa velada dos meus idiomas ‘esquisitos’. 🙂
no fim das contas, os motivos pelos quais escolhemos um idioma quase nunca são racionais…hehe
(Luciano modo flaming on… rs)
O argumento geral, da riqueza de todos os idiomas, faz mais sentido do ponto de vista do estudante de letras. O francês tem muito a seu favor na filosofia, nas relações internacionais, no cinema, etc. Concentrando só naquela pessoa que quer aprender um idioma para ter acesso a uma produção literária original (e traduzí-la, eventualmente), tudo bem, vale instigar esta questão: por que estudar francês em vez de outras línguas menos conhecidas? Não sei, às vezes tenho mesmo essa dúvida… Mas nos ajude, Luciano, apresente também o anverso da medalha, quais são os idiomas mais menosprezados? Como ter acesso ao aprendizado de uma língua que está fora do currículo normal das escolas? Conte aí na próxima coluna a sua experiência!
Sobre leituras difíceis, tenho mais medo mesmo é de “Zazie dans le métro”. Parece ser recheado de um dos terrores de quem não é fluente: a linguagem coloquial.
E o que você quis dizer com se proliferarem nos “aspectos mais tristes”?
Acertou o meu plano para a próxima coluna: falar sobre as línguas menos comuns.
Eu não conheço o “Zazie dans le métro”, mas, coincidentemente, um amigo me mandou hoje mesmo um e-mail falando que eu precisava conhecer.
E os aspectos mais tristes são justamente a parte não tão boa assim: as porcarias que acabam traduzidas porque tem apelo, ao passo que outras coisas – muito mais interessantes (e não me restrinjo aqui a coisa das línguas ‘underground’, mas mesmo do francês, inglês e espanhol) – são deixadas de lado.
No mínimo o amigo foi o Daniel. Sei, ao menos, que ele o comprou.
Sim, foi ele mesmo.
Nada a ver isso aí, hein. haha
Então, acho muito válido mesmo a defesa das línguas não-tão-estudadas assim – como você bem sabe -, mas mesmo assim não deixo de achar a cultura e a língua francesas fascinantes, e talvez isso se deva justamente ao fato de eles serem cosmopolistas (ainda dá pra usar essa palavra? ou é démodé demais – que nem démodé?). A quantidade de traduções publicadas na França é enorme e variada (exemplo maior: “Mãos de Cavalo”, do Daniel Galera, publicado pela Gallimard), o que com certeza influencia na produção cultural (e literária) de lá.
Sobre as traduções de livros que dão mais “apelo” comercial: bem, as editoras querem ganhar dinheiro, então nada mais lógico. Disso os franceses também são vítimas, até mais do que leste-europeus no momento, eu diria. Todos os livros mais famosos do nouveau roman não são reeditados há décadas, por exemplo. O Perec só tem edições mais recentes porque foi descoberto pelos brasileiros não faz muito tempo. Tirando os clássicos franceses, a maioria dos autores de lá mal é publicada por aqui, ainda mais contemporâneos (com exceção do Houellebecq).
E da França atual, realmente, concordo: tempos de Sarkozy não são os mais atraentes. Com certeza, a França que as pessoas mais curtem não é a de hoje.
E prometo que um dia quando meu francês for muito bom, eu vou traduzir alguma das duas obras do Perec que você citou.
Acabei de ler as edições mais recentes de livros do Perec.
“A coleção particular” e “A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento” sãoe excelentões.
Tô esperando ansiosamente tuas traduções do Perec.
(Não sei porque comento respondendo. Não é como se as pessoas voltassem para ler o que os outros respondessem. Enfim.)
O Perec é bom. Até mais um ou outro francês que eu gosto, mas entre simplesmente gostar e realmente pirar, tem uma distância enorme.
Também espero as traduções.
E a coisa lterária cultura da França, eu tenho de dar o braço a torcer: eles traduzem muitas coisas legais, de idiomas estrambólicos – e isso torna o francês um bom idioma para se ter acesso ao que se produz ‘na periferia’. Mas o alemão tem isso também, e a sonoridade me agrada mais. Fora que aprender as línguas originais é mais legal.
De qualquer maneira, apesar das brincadeiras, eu nunca tive essa admiração pela cultura francesa que as pessoas têm. Eu até gosto mais agora, com o Sarkozy, porque pelo menos rende boas piadas.
Ainda que não tão boas, é claro, quando os meus políticos favoritos.
Ainda que não tão boas, é claro, quanto os meus políticos favoritos.
Pow, eu piro com o Perec. Comecei “Um homem que dorme” e… que livro!
Leia “A vida: modo de usar”, seu Luciano. É obrigatório.
Eu voltei aqui pra ver as respostas, Arthur. : )
E tenho muito a pira de ler o Perec de uma vez. Ainda que seja difícil, quero tentar em francês mesmo. Assim que a Cultura abrir por aqui, vou lá pedir Les Choses pra ler com a tradução do lado.
Não sei você, mas eu volto pra ver o que os outros respondem
Quem disse que precisa de mamilos para ter polêmica!
Comecei a estudar Francês faz uns 3 ou 4 meses, mas não vou desanimar não Luciano. YOU FAILED! hehhe
Mas quero estudar russo depois que estiver um pouco mais folgado com o francês. o/
Menção honrosa para esse trecho:
“3 – O verdadeiro presidente da França é Carla Bruni, Sarkozy é uma espécie de brincadeira de mal-gosto, um meio-termo sem sal entre Berlusconi e Putin;”
Harold Bloom fala que todo texto se desconstrói, se desmente.
Você diz, no terceiro parágrafo, que nunca dirá nunca, sendo que já disse um nunca no primeiro.
Curti teu texto. Captei a essência do “falar um monte sobre uma coisa pra falar de outra na verdade”. Ou, com suas palavras “É uma defesa velada dos meus idiomas ‘esquisitos’”
Abraço
Ok, entendo a sua vontade defender as línguas “esquisitas” ( que eu até estudaria, se conseguisse um professor) mas também não precisa atacar o francês!
Não sei quem espalhou essa história, mas o meu começo não foi la muito fácil ( minha professora é francesa, e nós nos comunicávamos quase por mímica), mas agora está melhorando.
Bem feito Kerouac.