Antes mesmo de finalizar a leitura deste livro*, eu fiz uma palestra sobre o tema, comentei animada com alguns amigos, indiquei para outros tantos e fiz muitas reflexões sobre o papel dos leitores frente ao objeto cheio de letras, palavras, frases, páginas e histórias. Quem primeiro me falou sobre Como falar dos livros que não lemos foi a Nóia Kern, grande incentivadora das letras em Porto Alegre. Como falar dos livros que não lemos dialogou comigo do início ao fim.

Pierre Bayard escreve de modo irônico, engraçado e, por vezes, até um pouco absurdo, com o objetivo de retirar o livro do lugar sagrado que ele, pretensamente, ocupa. Posto que pode ser merecido, claro. Na minha e na opinião de muita gente. Mas é esta sacralização que acaba o distanciando de um grupo maior e, especialmente, daqueles que desconhecem o hábito de ler. O autor vai ainda mais longe: defende que, inclusive, críticos deveriam resenhar livros sem sequer abri-los, que é normal esquecer o que se lê e que todos nós deveríamos estar atentos ao perigo da leitura excessiva. Ou seja: sejamos leitores, comuns e mortais.

Descobri – fazendo um teste em uma palestra minha – que enaltecer a não leitura é a melhor maneira de fazer as pessoas se interessarem genuinamente pelos livros e pela – eis a mágica – leitura. Porque isto torna o hábito mundano e acessível. Por que não poderíamos falar dos livros que não lemos? Podemos. A biblioteca universal – formada especialmente por histórias que todos conhecemos – está aí para provar. Quixote, Hamlet, Casmurro. E, quando se leva em conta a percepção de leitura, é melhor se livrar das amarras mesmo. Um livro interior – aquilo que o leitor apreende após a leitura – nunca será o mesmo entre dois leitores diferentes. NUNCA (em caixa alta e ponto).

Trazendo um tanto de sociologia e da etiqueta para falar sobre os livros não lidos, Bayard também reúne dicas para situações de discurso na vida mundana, diante de um professor, diante de um escritor e com o ser amado. Impossível conter a gargalhada em diversos trechos ou de não reverenciar um livro que cita o filme Feitiço do tempo, com Bill Murray, para exemplificar a impossível sedução literária.

Me assumi, essencialmente, uma não leitora. Daquele tipo que não tem medo de falar sobre os livros que não leu (mas que ouviu falar, folheou, leu a respeito) e que é simplesmente fascinada pela leitura de livros sobre livros. Como me disse um amigo, temos a tendência de encarar a leitura de um livro como “tudo ou nada”. Aí Musil, Proust, Joyce e outros tantos ficam na estante pegando pó até que aconteçam aquelas férias que nunca chegam. Pois, depois de Bayard, ele resolveu abrir e ler um excerto qualquer. E a breve experiência abriu novas possibilidades de leitura e de apreciação dos livros. Para ler, basta abrir um livro. Ou não.

*Este texto foi publicado originalmente em uma rede social, mas a pedido dos editores a autora decidiu cedê-lo para avisar do seu retorno ao Posfácio