Nem tudo são flores nesse reality show. Mais uma quinzena se passou e os participantes começam a se dar conta de que é impossível ter afinidade com todos os livros parados na estante. E agora? Eles mandam os livros pro paredão ou insistem no romance que o público está shipando?

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Arthur Tertuliano

Vim aqui rapidinho dizer que, nas últimas semanas, o Adeus às Traças finalmente rendeu. Estou quase na metade do livro de tirinhas da Bechdel e terminei dois livros que me ajudaram a lembrar por que gosto tanto de ler. 

Priorizei os contos da Elvira Vigna porque queria lê-lo antes de publicarem o primeiro post do clube de leitura #VivaElvira, do podcast “Mulheres que Escrevem” (quem ouvir até o finzinho será agraciado com um pouquinho da minha eloquência ao falar de livros com amigos), e o livro da Carol Chiovatto por já ter iniciado a leitura antes do revéillon e querer emprestá-lo para um mocinho que tem tudo para se identificar com ele. Recomendo fortemente ambos. Pretendo escrever mais sobre eles, mas não prometo muita coisa: a ideia ficou mirabolante demais e não sei se tenho fôlego para tanto.

Gostaria também de deixar registrado que abandonei um livro após o primeiro capítulo porque achei chato demais e não sou masoquista – não importa o que minha analista diga. Falando sério? Percebi que só continuaria a leitura para fazer uma resenha mais tradicional, mostrando que sou sabido, e poder comentar com algumas pessoas que adoro e gostaram dele. E fico feliz de ter percebido cedo isso: cheguei em casa e a bruxa da Carol me deu uma piscadinha, tascou um “oi, sumido” e eu voltei a ser feliz.

Por fim, fiquei com vontade de comprar livros que ainda não estão nas livrarias e de terminar esse texto com uma fotinho em que tiquei os que já tracei em 2020. Não falei que seria rapidinho?

Livros lidos: Kafkianas, de Elvira Vigna; Porém Bruxa, de Carol Chiovatto. Livros abandonados: Controle, de Natalia Borges Polesso.  Estou lendo: The Essential Dykes To Watch Out For, de Alison Bechdel; O que será, Jean Wyllys. Livros que quis comprar: Histórias da arte (ainda não lançado), de Elvira Vigna e Carolina Vigna; Corpos secos (ainda não lançado), de Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado.

Bruno Mattos

As mesmas razões que me levaram a não escrever na quinzena passada – excesso de trabalho, uma mudança iminente de cidade – também reduziram meu ritmo de leitura, mas sigo firme aos preceitos do projeto. O que não segue firme é a sorte de descobrir um novo livro preferido, como relatei em minha última aparição. Muito pelo contrário: estou lutando para não abandonar alguns títulos pela metade.

De modo geral, invejo todos os que conseguem abandonar leituras sem culpa. Sempre temo cometer alguma injustiça, ou me convenço (me engano) de que seguir em frente justificará o esforço já dedicado a um título, nem que seja para encher o peito e dizer: “Ah, esse livro, li sim, não gostei”. Mas… e quando o livro em questão tem mais de 600 páginas? É o dilema que vivo com O romance luminoso, de Mario Levrero, amado por cinco em cada cinco conhecidos e traduzido para o português por meu amigo Antônio Xerxenesky. Passadas umas duzentas páginas, contudo, não encontro mais energias para acompanhar o diário tortuoso, demasiado literal, de um homem que desperdiça os dias de ócio com jogos de computador, livros de caráter duvidoso, tarefas banais. Talvez isso ressoe um lado meu que eu gostaria de não ter, talvez o livro não seja pra mim. Só sei que perguntei a um amigo se o romance seguia nesse ritmo por muito tempo e ouvi que “sim, por mais umas trezentas páginas. É hilário, né?” Acho que perdi a piada. Mas, como as referências são muito boas, ou porque sou fraco, não abandonarei o livro. Vai ficar umas semanas na geladeira antes da próxima tentativa.

Outra decepção foi Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende, que descobri no final do ano passado em uma lista de melhores da década. Como eu não conhecia esse livro, de uma escritora tão comentada, de vida pessoal e profissional notoriamente admirável, e ainda um livro que se passa em Porto Alegre?

(A essa altura, cabe apontar que nasci e vivi por 24 anos em Porto Alegre, uma cidade que a gente ama odiando, e por hoje estar longe volta e meia a nostalgia pega.)

Infelizmente, a Porto Alegre do livro é um pastiche, uma caricatura. Porto-alegrenses que preparam cuca em casa para comer na janta ao lado do “melhor vinho da Serra Gaúcha”. Chimarrão de sobremesa, antes de dormir. Uma população de pessoas altas, loiras e de olhos azuis que se recusam a falar com “brasileirinhos”, a saber, pessoas que não são altas, loiras, de olhos azuis, como supostamente todos os gaúchos. Um porteiro que não se chama Jerônimo, mas Girolamo (???), porque gaúchos têm nomes italianos. Pessoas ocasionalmente bem intencionadas, mas incapazes de ver contradição no fato de que uma baiana nascida em Fortaleza, Minas Gerais, seja na verdade piauiense. São necessários cinco dias na cidade para que a narradora descubra que – pasme! –, há negros, estrangeiros e diversidade no Estado que abriga o município mais católico, o mais muçulmano, o mais evangélico, o mais umbandista e o mais mórmon do país, além da capital de maior população judaica.*

Em resumo, a ambientação parece saída de um daqueles romances regionalistas de José de Alencar que quase nenhum de nós leu, mas dos quais todos ouvimos falarem mal no colégio. O choque é ainda maior frente à lembrança fresquinha de Marrom e amarelo, de Paulo Scott, esta sim uma obra muitíssimo bem sucedida em discutir o racismo estrutural brasileiro, e especificamente sua manifestação em uma Porto Alegre que parece mais verossímil do que a cidade concretamente dita. Hoje, sei por que nunca haviam me recomendado Quarenta dias: a maioria de meus amigos conhece Porto Alegre, todos meus amigos conhecem ao menos um porto-alegrense (eu), e, assim sendo, é improvável que recomendem o livro. De qualquer maneira, irei até o fim (é curto, o ritmo é bom, as imprecisões fascinam).

Mas calma lá, nem só de dramas vive o celibatário livresco: nos últimos dias, pude concluir o excelente Jamais fomos modernos, de Bruno Latour, deixado pela metade desde o ano passado (é uma leitura densa), e Músicas locales em tempos de globalización, de Ana María Ochoa, que comprei no primeiro semestre de faculdade (doze anos atrás) e do qual não me lembrava. Um livro bacana, que estava abandonado na casa de meus pais, e cuja existência me faz pensar se um só ano de Adeus às Traças será suficiente no meu caso.

Livros lidos: Músicas locales en tiempos de globalización, de Ana María Ochoa; Jamais fomos modernos, Bruno Latour. Estou Lendo: Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende; O romance luminoso, de Mario Levrero. Livros que quis comprar: O tempo adiado e outros poemas, de Ingeborg Bachmann; O tradutor cleptomaníaco: e outras histórias de Kornél Esti, de Dezsö Kosztolányi

* Dados do censo de 2012: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2012/06/dados-do-ibge-colocam-municipios-do-estado-como-campeoes-em-credos-3806966.html

Daniel Falkemback

A vida de leituras sob o Adeus às Traças continua. Nas últimas semanas, no entanto, diminuí um pouco o ritmo porque estava de mudança e com alguns compromissos profissionais. Apesar disso, sigo com um livro da minha estante, Guerra e paz, do Tolstói, a eterna leitura desse ano (eu avisei lá no primeiro post). Outros também apareceram no caminho, e ainda tenho uma transgressão das regras para relatar para vocês.

De outras leituras, tenho Novelas nada exemplares, do Dalton Trevisan, que peguei emprestado na biblioteca para o clube de leitura de vencedores do Jabuti que tenho com amigos meus. Esse livro do Dalton, premiado na categoria de contos da edição de 1960, está sendo uma surpresa para mim, porque já tinha lido A polaquinha e O vampiro de Curitiba do mesmo autor, mas não tinha gostado tanto dele. Como quase todo volume de contos, ele é bem variável em qualidade ou pelo menos na minha percepção do que é bom mesmo ou nem tão bom no livro. Quando terminar a leitura, dou mais detalhes para vocês.

Além do meu conterrâneo, também acabei de ler Discoteca selvagem, antologia de poemas da argentina Cecilia Pavón, que já tinha mencionado que estava lendo. É um livro muito valioso. Embora haja poucos poemas na seleção, acredito que são bem impactantes, e não só para mim, como resenhas e listas de favoritos do ano passado já revelaram. Recomendo para todo mundo com interesse em poesia hoje. A Cecilia tem uma dicção muito especial, uma relação entre corpo, espaço e criação poética com que muita gente que já se aventurou a escrever alguma coisa vai se identificar (pelo menos eu me identifiquei em parte).

Já de transgressões, tenho uma para revelar: há poucos dias, encomendei dois livros, Doze cartas e Odes a Maximin, ambos do Ricardo Domeneck, poeta brasileiro contemporâneo. Tenho a desculpa de que pretendo fazer algo de trabalho com eles (e é verdade), mas, ao mesmo tempo, não deixam de ser compras. Apesar de ser uma fuga das regras, devo dizer que não me sinto muito culpado por isso. A ideia do Adeus às Traças não é nos culpar ou nos redimir de um passado consumista. Queremos evitar a compra pela compra e ler o que já temos à nossa disposição. É claro que, como participante do projeto, vou continuar evitando aquisições, mas também decidi não me prejudicar por isso. Considerando que estudo e trabalho no campo das letras, comprar um livro ou outro pode ser algo inevitável, mas que mesmo assim quero evitar. Em compensação, só adquiri os dois que adquiri agora porque de fato preciso deles. Essa atitude, de certa maneira, já é um efeito positivo do projeto, e é a razão pelo qual devo seguir nele. Vamos ver como as coisas ficam até a próxima quinzena.

Livros lidos: Discoteca selvagem, de Cecilia Pavón. Estou lendo: Novelas nada exemplares, de Dalton Trevisan; Guerra e paz, Liev Tolstói. Livros que quis comprar e, na verdade, comprei mesmo: Doze cartas e Odes a Maximin, de Ricardo Domeneck.