Sempre preferi a ficção. No início da minha ~carreira~ de leitora, a ficção era unanimidade na minha estante. Histórias sempre me encantaram, até porque me considero uma pessoa imaginativa. E curiosa. Em 2019 a maioria de minhas leituras foi de ficção, como de costume. Mas, curiosamente, os livros que mais me marcaram naquele ano foram as de não ficção.

Como falei, sou curiosa. Demais. Após cada episódio assistido de The Crown, eu passava horas pesquisando coisas sobre a rainha Elizabeth II. Textos, vídeos, fotos… Tudo. Se aparece a foto de um animal estranho no Twitter, saio procurando tudo o que existe na internet sobre o bicho. Coisas sobre astronomia, então, nem se fala. Já cheguei a acordar de madrugada e pegar o celular para pesquisar como o Sol é visto dos outros planetas, porque na hora me bateu essa dúvida. O negócio é que eu gosto de aprender. Mas aprender do meu jeito, sem pressão e metas.

Vejo que unir a imaginação com a realidade é mais necessário agora do que nunca. A desinformação se espalha rápido e tem mais visibilidade que a informação correta. A verdade, que muitas vezes é complexa e exige um pouco mais de reflexão, perde para a velocidade com que as teorias conspiratórias se espalham. Essa questão é bem abordada por James Bridle em A nova idade das trevas (Todavia, tradução de Érico Assis): na falta de tempo/vontade de entender as complexidades e contrariedades do mundo, muitos se voltam para narrativas simplistas. Não que tudo tenha que ser complicado, mas qualquer coisa que exija um pouquinho mais de conhecimento já tira o interesse do ser humano médio. E essas simplificações crescem numa proporção que chega a ser perigosa.

Sei que já falei aqui antes sobre não sermos obrigados a ler tudo, de dar conta de tanta informação. Mas isso está intimamente ligado à difusão da informação correta – ou, pelo menos, de discursos que não sejam só preto no branco. Precisamos de filtros de informações, de fontes seguras. Para mim, esse filtro muitas vezes está no que as editoras de que gosto e nas quais confio publicam, e nas recomendações de pessoas que respeito e admiro. Pois sei que, por mais polêmico que o tema possa ser, ele foi pesquisado, analisado e checado.

Minhas leituras de não ficção não são as mais “relevantes” do mundo – se você entender a palavra “relevante” como algo prático para o dia a dia, ligado ao crescimento intelectual/profissional/pessoal e à produtividade. Mas, lá no fundo, essas leituras são, sim, importantes para a compreensão do mundo. Pegue um livro de divulgação científica e veja se, ao terminar a leitura, você não estará pensando sobre o funcionamento da Terra, a preservação da vida – todas as formas de vida, e não só a nossa. Leia sobre as transformações tecnológicas ocorridas no século passado e nas primeiras décadas do atual e veja se você não pensará sobre as implicações futuras disso. A princípio, essas leituras podem ser puro fruto da curiosidade, mas essa curiosidade leva ao conhecimento, que afeta a maneira como agimos no mundo, coletiva e individualmente.

No entanto, pouco adianta nada ter tanto conhecimento se não tivermos um pouco de imaginação. Como seres sociais que somos, precisamos entender o outro. E, para isso, ainda me agarro à ficção. É real quando dizem que a leitura desenvolve a empatia. Não que você precise concordar com todas as personagens, isso não é empatia. Nós adquirimos conhecimento por meio de outras histórias de vida, outras maneiras de ver o mundo. Ao nos deixarmos envolver pelo outro, pelos pensamentos dos outros, e não só por nossos próprios pensamentos. Com a ficção, entendo que o meu jeito de viver não é o único jeito que existe. Que aquilo que funciona para mim não funciona para os outros.

Por isso, acredito muito na importância de termos contato com temas e personagens diversos, e com suas histórias. Talvez seja essa a razão de eu gostar muito – mas não exclusivamente – de personagens hediondos, pois eles me mostram que o mundo não é cor-de-rosa. A leitura serve na mesma medida para confortar e confrontar. É dessa forma que aprendo e busco ler o mundo.

A ficção, por mais imaginativa e criativa que seja, baseia-se na realidade, e eis outro motivo para continuar apostando nela. O mais importante na ficção científica, por exemplo, não é a invenção de novas tecnologias, viagens espaciais ou no tempo, nem o contato com extraterrestres, mas o modo como nós, as pessoas, seríamos afetados por isso. Relacionamentos pessoais ou coletivos sempre têm importância no mundo da ficção porque é disso que ela fala: de nós. Seja num romance erótico, fantástico, realista ou aventuresco.

Imaginação e realidade, para mim, se misturam e têm igual importância. Uma pelos fatos, por expor a verdade, e a outra pelo modo como se apropria da realidade para imaginar outras possibilidades a partir dela. Meu objetivo neste ano é juntar ainda mais as duas coisas, equilibrar minhas leituras entre ficção e não ficção. Porque acredito que precisamos de informações, boas informações, e de histórias para lidar com a realidade.


Taize Odelli, de Witmarsum (SC) para São Paulo (SP). É autora do blog rizzenhas.com e tem uma coluna na newsletter ADSC – Associação dos Sem Carisma. Tem três gatos e milita pela popularidade da capa de edredom.