Por Cidinha da Silva (*)

Nota dos editoresEste texto é parte do especial em memória de Sérgio Sant’Anna. Ao longo da semana, publicaremos todos os dias homenagens ao autor carioca.

Existia naquela relação entre pai e filho amizade genuína e profunda. O Marcelino dizia que adorava mencionar o André nas conversas com o Sérgio, só para vê-lo sorrir largo. Eu pude ouvir o André discursando sobre o pai, sempre com admiração. Era bonito.

Nas histórias que tive contato durante papos curtos depois do trabalho, o pai apresentado era um sujeito íntegro, trabalhador dedicado à literatura e ao funcionalismo público. Um homem honrado, ético e solidário que abrigou em casa pessoas que estavam na clandestinidade à espera de um passaporte para fugir da ditadura civil-militar rumo ao exílio.

O Fluminense solidificava a amizade entre pai e filho. Eu, estrela solitária, daquele clube só conhecia a qualidade da comida do restaurante da sede. Quando visitava uma amiga no IBGE, em Laranjeiras, almoçávamos por lá. O André, por sua vez, tinha muitas histórias vividas na sede do Tricolor, várias delas acompanhado pelo pai, desde a adolescência.

Deve ser especial esse negócio de ter pai escritor e este confiar ao filho a primeira leitura de um trabalho recém-concluído, aquela que dirá se o livro presta ou precisa ser refeito; assim como testemunhar o pai, de saúde fragilizada e sabedor da aproximação concreta da morte, tomar medidas para proteger economicamente a mãe do filho, de quem já estava divorciado há mais de três décadas. Um pai que também era amigo das ex-namoradas.

Mas e as histórias? Não vai contar nenhuma? Já contei o que a mim interessou na escuta durante aqueles dias tensos que antecederam o segundo turno da eleição presidencial que nos jogou no abismo, ou seja, o reconhecimento do espírito de um pai ciente da importância do pai na vida de um filho.


(*) Cidinha da Silva é autora de #Parem de nos matar! e Um Exu em Nova York, premiado pela Biblioteca Nacional em 2019, entre outros livros.