Em 1968 foi lançada uma seqüência não oficial para a Guerra dos Mundos, do inglês H. G. Weels. A Segunda Invasão Marciana era uma sátira na qual, após terem sido derrotados em sua primeira tentativa de invadir o nosso planeta, os marcianos voltam, dessa vez com armas ainda melhores: propaganda e corrupção. E eles conseguem: instalam um novo governo, que é amplamente apoiado pela população – afinal agora os habitantes da cidade podem vender seu suco gástrico para os alienígenas, aumentando sua renda, e os fazendeiros recebem subsídios para plantarem trigo azul, usado para produzir um pão extremamente saboroso e para a fabricação ilegal de bebidas alcóolicas.
O livro, cujo subtítulo é Diário de um pensamento saudável – referência ao Diário de um Homem Louco, de Gogol – foi escrito por dois irmãos, Arkady e Boris Strugatsky.
Arkady Strugatski, o mais velho, nasceu em Batumi, na Geórgia, em 28 de agosto de 1925. Ainda bastante novo mudou-se para Leningrado onde, em 14 de abril de 1933, seu irmão Boris nasceu. Seus pais eram Alexandra Ivanova Strugatsky e Natan Zenovievich Strugatsky. Natan Zenovievich, de origem judaica, era um membro ativo do Partido Comunista e morreria de fome em 1942, durante o cerco de Leningrado.
Arkady serviu no exército vermelho entre 1943 e 1955, em Moscou. Ao abandonar a carreira militar casou-se com Elena Oshanina, com quem adotou uma filha. Estudou inglês e japonês no Instituto Militar de Idiomas Estrangeiros e, mais tarde, trabalhou como tradutor e editor para o Instituto para Informação Técnica, Goslitizdat. Entre 1961 e 1964 foi editor da Detgiz (uma editora soviética de livros infantis) e, depois disso, trabalhou como freelancer (traduzindo e escrevendo). Faleceu em 23 de outubro de 1991.
Quando Arkady deixou Leningrado para ir a Moscou, sua mãe estava doente demais para fazer a viagem, e Boris ficou com ela. Sobreviveram à Guerra e, finda esta, Boris cursou Astronomia na universidade de Leningrado, tendo em seguida trabalhado como matemático computacional no observatório de Pulkov. Em 1957 casou com Adelaida Karpeliuk, com quem teve um filho. Em 1976 abandonou o emprego no observatório, trabalhando como freelancer.
Praticamente toda sua bibliografia foi escrita a quatro mãos. Combinando o interesse de Arkady por Arthur Conan Doyle, H. G. Wells e Júlio Verne e os conhecimentos científicos de Boris, os irmãos têm uma extensa produção, que foi alvo de elogiosas críticas e grande sucesso de público, tanto em sua pátria quanto fora dela – coisa que, curiosamente, não aconteceu nos de países língua portuguesa.
Seu primeiro livro foi lançado em 1957, cujo título traduzido seria “O país das nuvens escarlates”. Suas primeiras estórias eram elogios à ciência e à tecnologia, algo visível especialmente em Noon: século XXII (1962), a primeira novela do que seria conhecido pelos fãs como Universo Noon.
O Universo Noon é o mundo onde desenvolveram-se vários dos romances e contos dos irmãos, em que o comunismo havia vencido, a paz imperava, a tecnologia avançara enormemente e a qualidade de vida das pessoas era próxima da ideal. Vários planetas foram colonizados e cada um deles é autônomo, mas auxiliam-se mutuamente. A Terra é governada por uma tecnocracia denominada Conselho Mundial, em que os cientistas e estudiosos mais brilhantes exercem conjuntamente a função de corpo executivo e legislativo. Todo o trabalho braçal é feito por robôs. Enfim, uma verdadeira utopia, onde aos desgarrados (não por serem contra o sistema utópico estabelecido, mas por não se adequarem a tarefas acadêmicas e nem a supervisão dos robos) – protagonistas comuns nas estórias dos Strugatsky – resta a exploração do espaço.
Essa fórmula interessante, mas ingênua, foi sendo progressivamente abandonada por Arkady e Boris, e cada vez mais suas obras enveredavam para o caminho da sátira social – o que, apesar de nunca terem sido dissidentes, valeu-lhes um status de semi-párias até o advento da glasnost. Junto com o supracitado A Segunda Invasão Marciana, outras obras importantes desse período foram Stalker (1972, transformado em filme por Tarkovsky), É difícil ser Deus (1964, que lhes rendeu o título – tão difícil para escritores de ficção científica – de autores sérios), Certamente Talvez (1969) e Os Cisnes Feios – esse último foi escrito em 1969, mas só foi publicado em 1972 e, mesmo assim, fora da URSS.
Com a morte de Arkady em 1991, haviam rumores de que Boris abandonaria a escrita. Mas isso não aconteceu: em 1994 publicou Busca por Desígino ou Vinte e Sete teoremas para a Ética e em 2003 Os impotentes desse mundo.
Eles foram, talvez, os mais importantes escritores de ficção científica da URSS, e com certeza figuram entre os mais importantes do gênero no mundo. Suas obras, apesar de profundamente soviéticas superam as barreiras e podem facilmente encontrar lugar como leituras atuais: a primeira fase como um puro elogio à ciência e ao progresso; a segunda parte, mais crítica, trata de temas que até hoje estão em voga, como a opressão, o orgulho e a ganância – e não seria mau que nós ocidentais, para variar, tivéssemos um outro ponto de vista.
Muito legal! Principalmente a parte sobre “A Segunda Invasão Marciana”. Mas vc deveria ter falado mais do Stalker e do Certamente, Talvez…
Tenho tentado comprar Stalker mas tá foda de achar nas livrarias aqui do Brasil =/
Legal essa visão da Segunda Invasão.
É sabido que a maioria das histórias americanas sobre invasão alienígena se tratava de metáforas à invasão comunista.
E eles inverteram a situação: os alienígenas tipicamente capitalistas, estimulando os humanos a enriquecer vendendo um produto do próprio corpo (suco gástrico X) ), bebidas ilegais e pão saboroso feito de trigo azul.
Será que foi por isso (visão anti-capitalista) que eles não foram publicados no Brasil nã época?
E pensando bem, nunca ouvi falar de escritores de ficção científica soviéticos.
É por essas e por outras que vou fazer um curso ferrado de inglês…
Já estava morrendo de vontade de ler Perdido Street Station de Melvile depois de ler umas resenhas. Essa resenha aumenta ainda a minha vontade de ler em ingles…