Mais uma vez eu e o Tiago discutimos a respeito do Prêmio Nobel de Literatura, que será entregue na próxima quinta-feira, dia 7 de Outubro. Tal qual no ano passado, será um post divido em três partes: nessa primeira discorremos a respeito de nossas expectativas sobre o tipo de autor e os motivos da Academia Sueca; num segundo momento listaremos os autores que achamos passíveis de serem escolhidos; por fim, após o resultado, discutiremos o laureado.

Tiago– Pensando um pouco nesse tipo de jogo que fazemos aqui, tentando imaginar as regras e os resultados do Prêmio Nobel de Literatura, acho interessante (às vezes, um pouco engraçado), nas versões mais sérias dessa empreitada, como, por exemplo, as famosas casas de apostas inglesas, que ficam abarrotadas todo ano. Mas fiquei surpreso, ao passear pelo site da Universidade de Stanford, que existe uma matéria de pós-graduação neste semestre toda dedicada ao prêmio. Chama-se “What is the Nobel Prize? Reading, Assessing and Interpreting the Nobel Novels on the World Stage” e esta sendo ministrada por um professor especializado em estudos asiáticos (em especial, de minorias), chamado David Palumbo-Liu. E interessante pensar em um gênero chamado “Nobel Novels” e como isso significou o acesso mundial a uma série de escritores vindos de lugares muitas vezes “impensáveis” em termos de literatura (às vezes, em outros termos também…). Contudo, me incomoda pensar que há a necessidade de um prêmio para que isso seja legitimado…

Luciano- Interessante isso. Mas me fez pensar: será que é esse ‘tipo’ de literatura que é legitimada pelo prêmio, ou a Academia Sueca é que lançou mão desse tipo de literatura para evitar que o prêmio  perdesse a validade? O Nobel, é, afinal, um dos prêmios literários de maior peso- se não o de maior- no mundo. Quiçá essas “Nobel Novels” tenham sido o que foi encontrado pela Academia para fazer com que o prêmio continuasse a ter relevância no cenário ‘pós-pós-modernidade’ dos dias de hoje.

Beckett, por exemplo, podia não ser óbvio, mas era algo que deveria esperar-se: discípulo de Joyce e fruto do mundo pós-guerra. Uma Europa em ruínas, um mundo pós-colapso. Existia um problema, e ele foi a resposta- mesmo que na forma de pergunta.

Hoje acabaram-se os problemas. Ou melhor, esses se multiplicaram tão infinitamente que passaram a ser banalidades. É difícil encontrar uma literatura que não seja uma tentativa pálida de responder esses problemas ‘banais’. Um prêmio que valoriza esse tipo de literatura, é apenas um prêmio para alguém que sabe misturar as palavras de um modo mais ou menos adeqüado. Ao se buscar a literatura nesses lugares “impensáveis” (assim como você, falo literariamente, apesar de não descartar a que a possibilidade geográfica da acepção da palavra venha concomitantemente) buscam-se também os problemas impensáveis, que fala- ainda que vagamente- sobre o terço ainda não nomeado da experiência humana.

Acredito que a busca da academia possa ser essa e, por isso, o Nobel validar-se-ia com a sua literatura, e não o contrário.

Tiago- Na verdade, minha preocupação vai mais na direção das leituras: que eles sejam o fator primário de legitimação daqueles que lêem e se dedicam a ela. Esse tipo de fetiche é bastante visível, parecendo uma espécie de via única na vida “literária”. Também acho que o Nobel buscou esses autores para se legitimar, mas acho que isso aconteceu desde o começo: um dos primeiros a ganhá-lo foi Rudyard Kipling,por exemplo (ainda que ele escrevesse em inglês, fator que não é um detalhe). No entanto, sempre se corre o risco de que o processo se inverta. De qualquer modo, como falávamos no ano passado, para o bem ou para o mal, isso ao menos nos dá a possibilidade de entrar em contato com escritores que não seriam traduzidos ao português em outras circunstâncias… Uma espécie de solução para algumas molezas editorias e jornalísticas…

Não sei se o mundo se tornou banal… O mundo, do jeito que está, é tudo menos banal… Há pessoas banais, que criam expectativas banais… Mesmo o Nobel tem cedido a isso: Barack Obama para Nobel da Paz foi o fim da picada…

Em literatura, tenho sentido um pressentimento mais ou menos parecido: a da expectativa, restrita, do escritor europeu, ainda que seja de um escritor exilado, imigrante, uma Europa cosmopolita… Enfim, uma tentativa última de defesa de uma União Européia idílica… Também vejo um certo prosaísmo (para jogar com a palavra) nas escolhas da Academia Sueca: gêneros como a poesia (principalmente a poesia), o teatro, o ensaio e mesmo a filosofia (lembrem-se de Russel, de Bergson, por exemplo) e da história.

Nossas expectativas com relação ao prêmio se fundamentam principalmente na esperança de algo inacessível, algo que faz parte do nosso modo de busca na literatura: lá onde, nesses “lugares impensáveis”, faz com que a banalidade não seja possível, e que por isso, por uma espécie de recalque, está sempre lutando contra o esquecimento.

Por isso buscamos (acho que falo por nós dois) escritores poloneses, romenos, japoneses, sul-africanos, soviéticos, quebequenses, etc. Ainda que a geografia, como você mesmo disse, não é garantia de nada…

Luciano- Talvez eu tenha me expressado mal: não vivemos em um mundo banal. A cultura, a arte é que se tornou banal. Devido, justamente, as pessoas e expectativas que você citou.

E acredito que você não erra em seu pressentimento: Herta Müller, filha de um regime totalitário, agora tem sua voz na nova Europa, na Europa livre. E, antes dela, todos os recentes galardoados apontavam nessa mesma direção: Pamuk é a Turquia aceita, Lessing a mulher plenamente emancipada. O único caso que quebra essa linha é o de Grass- mas ainda assim, tardiamente: à época que ele foi laureado era apenas ‘a voz da consciência histórica’ alemã, e não um ‘ex-ss’ ou coisa que o valha.

Acho que talvez não necessariamente um europeu, mas certamente não aposto em um escritor desse lado do Atlântico: ainda há muito para se justificar e para se desculpar por lá. E a prosa realmente parece a melhor opção para a Academia: relativamente poucos poetas e dramaturgos foram escolhidos recentemente, e não vejo um viés de mudança no pensamento da Academia Sueca.

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