CanudosEntre 1896 e 1897 a jovem República dos Estados Unidos do Brasil enfrentou -de forma quase que anacrônica- os seguidores de Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido com Antônio Conselheiro. Na comunidade de Canudos, o conselheiro liderou centenas de homens e mulheres que buscavam a salvação de sua alma, e foram vistos pelo novo governo como uma ameaça a sua soberania. O resultado foi a Guerra de Canudos, que durou praticamente um ano e que, estima-se, matou cerca de 25 mil pessoas.

Enviado como correspondente do jornal ‘O Estado de São Paulo’, Euclides da Cunha acabou por fazer muito mais do que apenas escrever o que a obrigação profissional lhe impunha. Escreveu três monstruosos volumes ‘A terra’, ‘O homem’ e ‘A luta’, conjuntamente entitulados de ‘Os Sertões’, uma das maiores obras da literatura brasileira- seja em tamanho seja em importância.

Importância essa que gerou frutos inusitados: em ‘Veredicto em Canudos’ Sándor Márai fala sobre o derradeiro momento do conflito entre republicanos e conselheiristas. Márai, no entanto, é húngaro e nunca pisou no Brasil. O tema lhe chegou através da obra de Euclides da Cunha, na tradução americana feita por Samuel Putnam em 1944.

Márai vivia na Itália quando teve acesso a essa versão da epopeia euclidiana, no fim dos anos 1960. Apaixonou-se de tal forma pela obra que em 1970 publicou seu livro, com o que Márai diz que ‘achou ter faltado na obra de Euclides da Cunha’.

Porém, ao contrário de Vargas Llosa (em seu ‘Guerra do fim do mundo’) Márai não ambiciou recontar toda a história de Canudos, mas apenas os fatos do dia 5 de Outubro de 1897, o dia em que Canudos deu seu último suspiro. A história é contada por um escrivão do exército, filho de um irlandês e uma brasileira, que está aos serviços do marechal Carlos Machado de Bittencourt- ministro da guerra à época.

E para isso bebeu muito em ‘Os Sertões’. Suas descrições do sertão brasileiro são bastante exatas, quiçá melhores do que as de muitos escritores tupiniquins- o que é impressionante, lembrando que ele nunca esteve aqui (algo do que dizia arrepender-se). Na versão original em húngaro, Márai chegou a tomar o cuidado de usar alguns termos em português, parte do palavreado sertanejo- o que deve dar um que de exótico a sua obra, para o leitor acostumado com o húngaro.

Apesar de alguns momentos poderem soar um tanto tolos ao leitor brasileiro- familiarizado, ao menos superficialmente, com a história de Canudos- ‘Veredicto em Canudos’ é de qualidade e profundidade dignas do resto da obra de Márai. A discussão entre a civilização injusta, porém beligerante e poderosa; versus a utopia quase insana, que acaba aniquilada; é a tônica do romance, que se torna mais interessante ainda se pensarmos (de modo um tanto ufanista) que não é a toda hora em que um húngaro escreve sobre nosso país.

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