DSC01221Paulo Biscaia Filho é professor dos cursos de teatro e de cinema da Faculdade de Artes do Paraná. Formado em artes cênicas pela PUC-PR, é mestre em artes pela Royal Holloway University of London. Sua tese foi a respeito do Théâtre du Grand Guignol, um teatro francês do começo do século XX que deu origem a esse gênero na sexta arte.

Além da atividade acadêmica, ele dirige e escreve os textos da companhia de teatro curitibana Vigor Mortis– cuja tônica vem do Grand Guignol, além das influências do cinema e dos quadrinhos. Outra peculiaridade do grupo é o modo como expandem os limites do teatro, usando projeções e truques em cena.

Com suas peças, já ganhou duas vezes o Troféu Gralha Azul (de Melhor Diretor, Texto Original e Sonoplastia com ‘Morgue Story’ e Diretor e Texto Origina com ‘Graphic’), além de ter recebido uma indicação ao Prêmio Shell de Autor. Recentemente ‘Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos’ foi transformada em filme.

Conversei com ele na última apresentação do grupo, o um experimento a que preferiram chamar de ‘Peep Show’. Bastante solícito, concordou em responder as nossas 10 Perguntas e Meia:

1. De onde surgiu o interesse pelo Grand Guignol e pelo teatro de horror de modo geral?

Sempre me senti atraído pelos autores românticos relacionados de alguma forma ao horror (Byron, Mary Shelley, Sheridan Le Fanu, Poe, etc…) . Logo que terminei a faculdade de artes cênicas, queria fazer uma montagem de Frankenstein, mas não deu certo e acabei mergulhando de vez em Edgar Allan Poe. Foram quatro peças que eu fiz baseadas em textos dele: Cantos Fúnebres da Esperança, A Máscara da Morte Vermelha, Sangue Para Um Sombra e A Escuridão das Lembranças. O Antonio Abujamra, para quem eu tinha feito uma assistência de direção um tempo antes, foi ver Sangue Para Uma Sombra e sugeriu que eu pesquisasse sobre o Grand Guignol. Fiz uma pesquisa informal e, no ano seguinte quando fui para a Inglaterra fazer meu mestrado, não tinha dúvida sobre o tema de minha dissertação. Lá eu coletei toda a bibliografia existente sobre o Grand Guignol. Até hoje é fascinante fazer esta pesquisa que não pára nunca. Na própria dissertação eu escrevi que pesquisar o Grand Guignol é como ser um paleontólogo, pois sobrou pouca coisa da época. Por isso, cada nova descoberta é muito excitante. No final do ano passado comprei por um sebo na internet uma coletânea de textos do Grand Guignol londrino com edição de 1947!
Mas o fato é que o horror é um gênero com inúmeras possibilidades e eu me identifico plenamente com este tipo de narrativa.

2. O subtítulo de ‘Morgue Story’ sugere que exista uma forte influência dos quadrinhos nas montagens da Vigor Mortis. Como isso acontece?

Da forma mais natural possível. Sou um leitor regular de quadrinhos. Não necessariamente ávido, mas regular. Não tenho pudores em dizer que minha formação intelectual tem influência do Romita, do Eisner, do Alex Raymond, do Frank Miller, do Alan Moore, do Bill Sienkiewicz e companhia. Se eu negasse isso no meu trabalho, estaria mentindo e, como eu digo para meus alunos de direção na FAP, direção é um trabalho onde mentir para si mesmo é absolutamente inadmissível. Desde que eu estava na faculdade, me guiava por imagens como a do Wolverine pelo Frank Miller para fazer trabalhos práticos. Acho que os quadrinhos tem muito a ensinar para atores e diretores. Assim como a base dos quadrinhos, ou seja, Degas e Schiele foram artistas cujas imagens me serviram muito de referência para construir cenas.

Agora, fazer quadrinhos é um troço complicado. O José Aguiar (http://www.joseaguiar.com.br) me convidou para fazer roteiros de quadrinhos com personagens das peças da Vigor Mortis. Eu me senti travado na hora de escrever. É uma lógica completamente diferente. A gramática de saber dividir os quadros e as páginas dentro da narrativa é muito difícil. Tive que quebrar uma boa rebentação pra conseguir escrever algo. Por sorte o José estava lá pra me guiar. A edição desses trabalhos vai sair esse ano. O DW que fez os desenhos do Morgue e do Graphic também desenha. A parte boa é que não tem limites de produção. Ou seja, tem uma cena numa história da revista com perseguição de centenas de táxis e motoboys.

3. Quais seus autores de horror favoritos?

Como disse acima, Edgar Allan Poe. Essencialmente ele. Tem um outro autor que não é necessariamente de horror, mas que flerta muito com o fantástico: o Chuck Palahniuk. Ele pra mim é o J.D. Salinger (adoro ele também) da nova geração. Não apenas pelo Clube da Luta que é seu trabalho mais conhecido por causa do filme, mas também por diversas de suas outras obras. “Choke” é brilhante, “Sobrevivente” é sensacional, “Snuff” é divino. Agora estou lendo Pygmy. Não à toa tenho tatuado no meu braço direito o pinguim do Clube da Luta dizendo “Slide” e em meu braço esquerdo o corvo com “nevermore”. Isso resume bem o que eu quero sempre me dando bênçãos.

4. Que obra sonha em adaptar para o teatro? Por quê?


Tem um monte. Mas como diz o pessoal da Apple: “não comentamos sobre produtos não lançados.” haha.
Mas se você quer uma que é quase impossível (por enquanto): A Queda da Casa de Usher.

5. Quais experimentações você gostaria de colocar no teatro? Existe limite para o palco?


Se houvesse limite eu já tinha parado faz tempo. Seria muito frustrante trabalhar com algo onde você diz. O meu limite tá ali, quando eu chegar nele, acabou. Não. A coisa fica muito mais empolgante quando a gente trabalha com o conceito de serendipicidade. Onde sempre algo novo pode ser descoberto. O uso de projeções que eu faço pode ser ampliado de diversas formas. Ultimamente venho me distanciando da projeção para me dedicar mais aos truques e coreografias de violência. O Thiago di Giovanni foi uma fantástica adição para a Vigor Mortis. Ele pesquisa adereços e maquiagens de efeitos especiais. O resto da equipe, Leandro Daniel Colombo, Marco Novack, Wagner Correa, Michelle Pucci e Rafaella Marques se dedicaram a trabalhar com coreografias de luta e ilusionismo. Um conjunto de elementos essenciais para o que a gente chama de “Ator prestidigitador”. Tentamos elaborar um conjunto de idéias e técnicas para este ator ideal do Grand Guignol. Este trabalho de pesquisa é nossa maior experimentação.

6. Qual foi a peça que você mais gostou de adaptar/escrever?


Não me peça para escolher meu filho favorito. Mas em relação a processo criativo, sempre terei como lembrança mais querida o Graphic. Eu ficava com o laptop trancado numa salinha, ao lado estavam a Rafa e a Carol lendo referências de quadrinhos e de vez em quando abriam a porta para me lembrar de inserir alguns conceitos, numa outra sala ao lado estava o Guilherme Sant’ana (cenógrafo) desenvolvendo visuais para a peça que acabavam entrando no texto. Tínhamos também um grupo na internet onde todos postavam idéias e eu pincei várias. O Dani, que no período estava ensaiando outra peça, vinha também com idéias que acabaram entrando na dramaturgia. Este processo coletivo comigo como “funil” foi agradabilíssimo.

7. O quão diferente foi fazer Morgue Story no teatro e em filme?

Não acabe a mim esta pergunta, mas sim aos espectadores. O filme foi tão louco fazer que nem tenho opinião formada. Captamos tudo em onze dias. Nem deu tempo para pensar. Só procuramos manter o mesmo clima da peça. A montagem teatral já era originalmente bem cinematográfica. Foi escrita e encenada para ser um filme no teatro. Muita gente na época me dizia que eu tinha que transformar em filme, mas eu sempre respondia : “Não! A peça ficou bacana por que É uma peça e não um filme. Se eu fizer um filme, seria um filme banal”. Mas passou o tempo e eu disse pra mim mesmo: “E qual o problema em fazer um filme banal”. Eu sempre disse pra equipe que a gente até podia fazer um filme ruim, mas não podia fazer um filme chato. E o resultado foi surpreendente: ganhamos prêmios na Europa e Estados Unidos. Amigos meus que moram em San Francisco, gravaram a reação do público na sessão em um festival lá. É muito bacana ver a peça transcender barreiras e continuar tocando as pessoas. É a mesma coisa que fazer a peça, mas sem precisar se preocupar com transporte e montagem de cenário.

8. Poe ou Lovecraft?


Poe. Pelos motivos já colocados acima. O sujeito era um monstro. Um autor em pleno domínio da linguagem capaz até mesmo de transcendê-la. Ele é inquestionavemente o avô da literatura moderna. Mesmo que um autor negue, não tem como ele não ter sido influenciado por Poe ainda que indiretamente. O simbolismo trabalhado por ele em A Mascara da Morte Vermelha é algo de arrepiar. A narrativa em O Gato Preto é algo que você não concebe ter sido feito por um ser humano.

Gosto de Lovecraft, mas tenho um pouco de problema com a mitologia Cthulu. Por vezes acho meio “over the top”. Prefiro as histórias que não estão na mitologia, como Reanimator e O Caso de Charles Dexter Ward.

9. Que diretores o influenciam?


No cinema: Murnau, Sam Raimi, Tarantino, Speilberg, Kevin Smith, Romero, John Carpenter, Irmãos Coen, Kubrick, Cronenberg.

No teatro: Gerald Thomas, Robert Le Page, Peter Brook, Frank Castorf, Camille Choisy, Robert Wilson.

10. Quais as dicas que você daria para quem quer entrar para o mundo do teatro?

a) tenha paciência.

b) tenha humildade sempre.

c) Nunca tenha certeza se o que você fez está bom.

d) Não faça a produção que você acha legal fazer, faça aquela que você vai achar legal VER.

1/2  Teatro no Brasil é… ótimo, mas é uma merda. (parafraseando Tom Jobim)

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