Rudyard Kipling é um célebre escritor britânico, conhecido por suas poesias, romances e contos. Nascido em 1865, em Bombaim, Índia, então sob o domínio imperialista inglês, o autor cresceu aprendendo os costumes ingleses e indianos, já que vivia em um contexto que lhe dava experiências de ambas as culturas.

Um de seus livros mais conhecidos, senão o mais conhecido (principalmente depois da adaptação cinematográfica da Disney, em 1967) é O livro da selva (The Jungle Book), escrito em 1894. Mesmo que somente com a obra A luz que não se apagou o autor tenha sido laureado com o Nobel, em 1907; foram as diversas histórias que compõe as aventuras d’O livro da selva ficaram imortalizadas na versão Disney das aventuras de Mowgli.

Longe de querer aqui atribuir maior importância a essa ou aquela obra, quero apontar algumas considerações sobre as histórias curtas que integram a obra de 1894. Vale lembrar ainda que Kipling é autor de outros clássicos como O homem que queria ser rei (1888), Gunga Din (1890) e Kim (1901) entre outros.

Escrito em um período onde a Inglaterra era conhecida como o “Império onde o Sol nunca se punha”, O livro da selva traz como personagens e ambientação elementos da Índia, na época um protetorado britânico. Kipling, que viveu em Bombaim em sua infância, soube captar aquilo que via em seu dia-a-dia através daquele olhar que valorizava o exótico e a novidade vinda dos territórios imperiais da Coroa.

A Jungle ou a Selva é um mundo a parte, um universo coeso que existe com suas próprias leis e próprias regras, sendo que os seus habitantes são deveras peculiares em seus comportamentos e suas personalidades: há a sorrateira pantera negra Bagheera, o nobre lobo cinzento Akela, o urso-professor Baloo, o sinistro tigre Shere Khan, a pérfida cobra Kaa, o reservado abutre Chil, os insubmissos macacos (bandar log) que não vivem conforme os preceitos da Lei da Selva, e muitíssimos outros personagens. O autor consegue dar características particulares a cada um dos personagens, dando-lhes uma plausibilidade dentro do contexto da Jungle muito interessante, pois a Jungle se auto-gere, ela mesmo possui seus mecanismos de regulação. Há Hathi, o elefante, rei da Jungle, cuja honra e bravura não são desafiadas por nenhum animal, a cargo de quem fica a responsabilidade de mediar os conflitos entre os animais.

Esse mundinho a parte, embora particular, não está descolada das aldeias dos homens, onde cresce a flor vermelha (fogo), arma tão temida pelos animais; sendo que em alguns contos (O livro da selva é formado por diversas pequenas histórias) os homens penetram na Jungle em busca de riquezas ou para caçar os animais, ao passo que esses últimos se organizam para expulsa-los de seus territórios. Os homens (não via de regra, pois temos os pais de Mowgli que são exceção) costumam aparecer nas histórias como gananciosos exploradores que não se preocupam com a preservação da Jungle ou com o respeito aos seres que nela habitam; que não desejam nada senão satisfazer seus desejos de riquezas e/ou vingança.

Cabe lembrar aqui que, justamente por ser uma reunião de histórias, existem várias edições d’O livro da selva, que trazem muitas vezes somente uma parte dos contos de Mowgli e os habitantes da Jungle. Vale a pena procurar mais a fundo para encontrar mais contos. (Deixo aqui a minha dica por dois contos em especial que me cativaram: Rikki-tikki-tavi e A foca branca)

Com enredos simples, mas amarrados e personagens carismáticos com personalidades muito humanas, Kipling consegue fazer transparecer aquele ambiente exótico e cheio de mistérios que é o território indiano para os que viviam na Inglaterra. Cabe pensar aqui, conforme já apontado por Edward Said, que a literatura produzida sobre os territórios dominados imperialisticamente tem um papel importante na própria formação da “opinião pública” e das visões sobre esses povos e culturas tão profundamente diferentes da cultura britânica.

Ao escrever talvez o seu poema mais polêmico, O fardo do homem branco (1899), em que aparece essa visão de colonização e civilização das populações dos territórios imperiais como “nobre tarefa” dos britânicos, Kipling fez com que o passar dos anos lhe trouxesse muitos críticos, que viam com maus olhos essa sua convicção. Porém, essa visão eminentemente britânica, que acreditava ser essa nação a defensora e difusora da civilização, imprimiu marcas profundas em sua literatura e também nas leituras que se fizeram dela. É preciso ter em mente esse fato, bem como que suas obras, por mais que passassem uma imagem singular de uma realidade tida como exótica e misteriosa, ainda possuem um valor literário a ser considerado e discutido, criticado e pensado.

A Lei da Selva, que regulava a caça e organizava a vida na Jungle, muitas vezes se mostrava mais “civilizada” que a do Imperialismo e todo o impacto que essa expansão trouxe para os países dominados. Realmente, é algo de maior complexidade a ser pensado.